Alimentos processados viciam como álcool e nicotina

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Pesquisadores da Universidade de Michigan, nos Estados Unidos, defendem que alimentos altamente processados e ricos em gordura e açúcar, como pizza, chocolate e batata frita, causam efeito semelhante às drogas.

O estudo, publicado recentemente pela revista “PlosOne”, sugere que itens com doses concentradas de substâncias potencialmente aditivas, e que são rapidamente absorvidas pelo corpo, viciam mesmo. E quanto mais concentradas essas doses, mais viciante.

Segundo Ashley Gearhardt, professora-assistente de Psicologia do Food and Addiction Science and Treatment (FAST), da Universidade de Michigan, a pesquisa indica que esses alimentos podem ter efeitos no cérebro que são semelhantes aos do álcool e da nicotina. Isso porque o “sistema de recompensa no cérebro”, ativado por essas drogas, pode ser desencadeado com o consumo desse tipo de alimento.

A opinião é compartilhada por Amélio Godoy, do Instituto Estadual de Diabetes e Endocrinologia Luiz Capriglione, da Universidade Federal do Rio de Janeiro:

— Tanto o cigarro como a junk food ou o chocolate ativam áreas específicas do cérebro, e o prazer é imediato. Por isso o consumidor quer mais — explicou o endocrinologista, que defende campanhas de conscientização em relação aos alimentos altamente processados em âmbito mundial. — Como já aconteceu com o tabaco, igualmente viciante.

O chocolate lidera esse ranking, seguido por sorvete, batata frita, pizza, biscoito, salgadinhos e bolo. Da lista total, com 35 itens, os 15 mais viciantes são processados.

Feijão sem molho ficou em último, atrás de brócolis, pepino, água, arroz integral, cenoura, banana e salmão, nessa ordem.

Da lista total, 18 alimentos eram altamente processados, gordurosos, com farinha branca e açúcar refinado. E os outros 17, itens naturais como banana, cenoura e nozes.

O grupo recrutou 120 estudantes universitários e pediu para que preenchessem uma versão da Yale Food Addiction Scale, uma escala que mede os “comportamentos alimentares viciantes”. Eles tiveram de escolher aquelas comidas que estavam mais associadas a comportamentos aditivos. Numa segunda etapa, on-line, os cientistas decidiram confrontar voluntários, cerca de 400 participantes. E novamente os processados venceram.

— Como a absorção é rápida, o corpo precisa jogar muita insulina no sangue para dar conta do açúcar. Depois desse pico do hormônio, quando o sangue registra a queda brusca do açúcar, a pessoa fica com vontade de comer de novo e criar aquela mesma situação — explicou Thaianna Velasco, nutricionista funcional e membro do Conselho Regional de Nutricionistas RJ/ES.

Thaianna comentou que até pessoas saudáveis, que não costumam exagerar nas frituras, podem ter momentos viciantes. E, muitas delas, desconhecem o efeito dessa “bomba”.

— A nutrição é assunto recente. A população precisa de mais informação sobre os processados. E acho fundamental que se comece uma ofensiva a indústrias e grandes marcas para que comecem a produzir alimentos mais saudáveis — declarou, ao lembrar que há vários alimentos com açúcar oculto.

Recentemente, a Organização Mundial da Saúde (OMS) publicou novas diretrizes em relação ao consumo de açúcar pela população (até 10% da ração diária, o equivalente a um quarto de xícara). E alertou justamente para a ingestão de açúcares ocultos, em pães, molhos e bebidas com gás, por exemplo.

O psiquiatra Arthur Kaufman, docente no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, responsável por uma pesquisa com um grupo de voluntários com compulsão por chocolate, afirmou que o vício no doce — líder da lista de Michigan — vai além do açúcar e do carboidrato refinado.

— O chocolate tem tiamina, uma das vitaminas do complexo B que é importante na produção de energia, e feniletilamina, um neuromodulador de sinapses do cérebro similar à anfetamina. Além disso, suas características sensoriais, como textura, aroma, cor, sabor e o fato de derreter na boca, além da sua composição de nutrientes (gordura e açúcar), leva ao craving (desejo) — detalhou Kaufman.

Erica Schulte, doutoranda em Psicologia Química da Universidade de Michigan, uma das coautoras da pesquisa, lembrou que o chocolate, apesar que conter várias outras substâncias que dão prazer, se encaixa no grupo dos processados que, segundo ela, “são feitos exatamente para causar essa compulsão”.

— Não temos certeza como a cafeína ou outras substâncias podem ter contribuído para o chocolate estar associado a um comportamento alimentar viciante. Mas é altamente processado, assim como outros itens que causam dependência — explicou Erica, por e-mail, ao jornal O Globo. — Ao mesmo tempo, os participantes desse estudo não informaram consumo viciante de itens não transformados. Na natureza, não há alimentos com níveis elevados de açúcar e gordura. Ou são ricos em gordura (o pistache, por exemplo) ou açúcar (caso das bananas). Nunca juntos. Isso ressalta que o chocolate, a batata frita e seus semelhantes podem ser transformados exatamente com esse objetivo.

 

Fonte: O Globo