Síndrome rara dá novo significado à “barriga de cerveja”

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Um cervejeiro caseiro de 61 anos chega a uma emergência médica no Texas (EUA) se dizendo enjoado. Os médicos desconfiam, aplicam o teste do bafômetro e o equipamento detecta a taxa de 0,37% de álcool no sangue do sujeito. Mas ele jura não ter ingerido uma gota de álcool sequer desde que acordou.

Qualquer policial envolvido na Lei Seca certamente já ouviu juras deste tipo. Mas, neste caso, o desfecho é inacreditável.

A esposa, enfermeira que já acompanhava os enjoos do marido havia tempo, disse que ela mesma tinha um bafômetro para lidar com suas bebedeiras espontâneas. Achando que poderiam estar lidando com um alcoólatra tentando disfarçar o problema, a chefe de enfermagem Barbara Cordell e o gastrenterologista Justin McCarthy colocaram o homem em isolamento.

Depois de 24 horas, mesmo sem ingerir nenhum tipo de bebida alcoólica, os médicos viram o bafômetro atingir a marca de 120 mg/dl. Ou seja, novamente havia álcool naquele corpo.

Após diversos exames, a surpresa: o sexagenário era uma cervejaria ambulante, graças à abundância de levedura em seu intestino, onde o fungo Saccharomyces cerevisiae estava convertendo o açúcar ingerido em álcool e gás carbônico.  É a síndrome da auto-cervejaria.

Apesar de só atingir 0,0000003% da população mundial (ou seja, apenas 20 pessoas), esta não é uma descoberta recente. Vários casos foram descritos no Japão na década de 1970, mas a documentação deles não foi feita de forma tão completa como o caso acima relatado, conforme o periódico científico International Journal of Clinical Medicine.

O fato do senhor em questão ser cervejeiro caseiro ajuda a explicar o caso, já que cervejas caseiras normalmente não são filtradas e apresentam levedura in natura. Mas esta não é a única hipótese, já que o fungo Saccharomyces cerevisiae é bem comum em outros produtos, como pão e vinho.

Fungos e bactérias fazem parte da microbiota que coloniza o nosso corpo em um número que pode chegar a 90 trilhões de células. A relação do nosso corpo com os micro-inquilinos é muito boa na maioria dos casos, mas pode acabar sendo desregulada quando ocorre o domínio de certos grupos, como no caso do crescimento anormal de Saccharomyces cerevisiae já que, segundo pesquisas, a levedura pode se instalar no intestino e inclusive reproduzir-se ali.

O tratamento consiste em tomar remédios antifúngicos para matar o fungo, além de uma dieta pobre em carboidratos. Funcionou para o cervejeiro caseiro, mas nem sempre funciona.

Foi o que aconteceu com Matthew Hogg. Como faz parte daqueles 0,0000003%, ele fica bêbado ao comer doces e carboidratos. O problema levou mais de 20 anos para ser diagnosticado. Hoje, Matthew consegue controlar a doença através de uma dieta natural à base de carnes, peixes, ovos, legumes, nozes, água e chá de ervas. Esse hábito não elimina totalmente os sintomas, mas alivia um pouco a situação – agravada por comidas como arroz, batata frita, sanduíches e refrigerantes. Ele diz que, para ele, uma única porção de arroz equivale a três garrafas de vinho.

Matthew normalmente acorda de ressaca e sofre de exaustão constante. E, apesar do diagnóstico já ter sido feito, o americano é incapaz de se manter em um emprego. Mas não se mantém parado: resolveu criar um site para ajudar outras pessoas com a doença.

Como, por exemplo, uma mulher que foi presa no começo deste ano por dirigir embriagada. Depois de descobrir que ela tinha a síndrome (e não sabia), a Justiça de Nova York decidiu por inocentá-la.

Mas isso não serve de argumento para apresentar àquele policial na blitz da lei seca.

Segundo um estudo publicado no periódico Medicine, Science and the Law, que testou de forma controlada a produção de álcool em um grupo de indivíduos com este problema, a produção foi de quase zero, portanto não serve como desculpa para não passar no teste do bafômetro.

 

Fontes: ZH Planeta Ciência & Bem Estar (via TV Globo)