Drogas à vista!

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milênios o homem conhece plantas como a iboga, uma droga vegetal. O historiador grego Heródoto anotou, em 450 a.C., que a Cannabis sativa, planta da maconha, era queimada em saunas para dar barato em frequentadores. No fim do século 19, muitos desses produtos viraram, em laboratórios, drogas sintetizadas. Foram estudadas por cientistas e médicos, como Sigmund Freud.

Somente no século 20 é que começaram a surgir proibições globais ao uso de entorpecentes. Primeiro, nos EUA, em 1948. Depois, em 1961, em mais de 100 países (Brasil entre eles), após uma convenção da ONU.

Até o começo do século 20, porém, o Brasil não tinha qualquer controle estatal sobre as drogas que eram toleradas e usadas em prostíbulos frequentados por jovens das classes média e alta, filhos da oligarquia da República Velha.

A 1ª lei da qual se possui registro histórico sobre as drogas é uma postura da Câmara Municipal do Rio de Janeiro que regulamenta a venda de gêneros e remédios pelos boticários de 4 de outubro de 1830, que proibia a venda e uso do pito de pango, um cachimbo para se fumar maconha e que, por associação, também apelidou a própria droga.

A proibição em nível nacional voltou no Código Penal de 1890, já sob o modelo republicano. O artigo 159 do Código, incluído no Título III da Parte Especial (Dos Crimes contra a Tranqüilidade Pública) previa como crime: “expor à venda, ou ministrar, substâncias venenosas sem legítima autorização e sem as formalidades prescriptas nos regulamentos sanitários”. A pena era de multa. A proibição era destinada aos boticários, para prevenir o uso de veneno para fins criminosos. Nada pronunciava a respeito dos usuários. Até então não havia uma normalização que permitisse extrair uma coerência programática específica.

Os Estados Unidos foram o principal expoente na cruzada moral contra o consumo de drogas. Passaram a tentar, em nível internacional, controlar o comércio de ópio para fins não medicinais. Haveria, por parte dos americanos, dois motivos, que se sobreporiam aos aspectos sanitários: adaptar os imigrantes do século XIX ao estereótipo moral da elite anglo-saxônica protestante, penalizando os desviantes; e conquistar espaço de manobra e poder econômico nos mercados do oriente, então dominado pelos ingleses.

A pressão americana faz com que em 1909, representantes de países com colônias no Oriente e na Pérsia se reunissem em Shangai na Conferência Internacional do Ópio. Posteriormente, realizou-se em 1911 a Primeira Conferência Internacional do Ópio, em Haia. Dessa conferência resultou a “Convenção do Ópio”, em 1912, pela qual os países signatários criaram o compromisso de tomar medidas de controle da comercialização da morfina, heroína e cocaína nos seus próprios sistemas legais. Vale ressaltar que outras substâncias, como a cocaína, foram adicionadas devido a uma pressão inglesa, para que o ônus econômico da proibição recaísse também sobre outros países (França, Holanda, Alemanha), que estavam tendo lucros com o comércio da cocaína através da emergente indústria farmacêutica .

No próprio ano de 1912, com as pressões internacionais que até hoje perduram, o Brasil subscreveu o protocolo suplementar de assinaturas da Conferência Internacional do Ópio. O Decreto 2.861, de 08 de julho de 1914, sancionou a Resolução do Congresso Nacional que aprovara a adesão. Por meio do Decreto 11.481, de 10 de fevereiro de 1915, que mencionava “o abuso crescente do ópio, da morfina e seus derivados, bem como da cocaína” o Presidente Wenceslau Braz determinava a observância da Convenção.

Naquele momento, o vício até então limitado aos “rapazes finos” dentro dos prostíbulos passou a se espalhar nas ruas entre as classes sociais “perigosas”, ou seja, entre os pardos, negros, imigrantes e pobres, o que começou a incomodar o governo.

A partir de 1920, houve uma onda mundial de combate ao uso de determinadas drogas, agravada no Brasil com a troca, em 1932, da palavra “venenosa” para “entorpecente”, do artigo 159 do Código Penal.

Em 1921, surge a primeira lei restritiva na utilização do ópio, morfina, heroína, cocaína no Brasil, passível de punição para todo tipo de utilização que não seguisse recomendações médicas. A maconha foi proibida a partir de 1930 e em 1933 ocorreram as primeiras prisões no país (no Rio de Janeiro) por uso da droga. Essa proibição se estende até hoje com certa variação.

Mesmo proibidas, as drogas continuaram a ser consumidas e aumentou a violência em torno do tráfico, com o surgimento de grandes grupos de traficantes. Como o Comando Vermelho, no Rio de Janeiro.

Nos anos 60 e 70, no presídio de segurança máxima de Ilha Grande, presos comuns e guerrilheiros urbanos dividiram os mesmos espaços e trocaram “experiências”. Em 1975, anistiados, os guerrilheiros deixaram o presídio, mas os presos comuns continuaram lá e passaram a usar, no dia-a-dia, as táticas de organização aprendidas com os companheiros da guerrilha. Com elas, sobreviveram e dominaram outros grupos do complexo penitenciário. Organizaram um grupo de autodefesa, chamado Falange Vermelha, que em pouco tempo mudaria o nome para Comando Vermelho e se transformaria num dos maiores grupos do crime organizado no Brasil e no mundo.

No início dos anos 80, o Comando Vermelho já dominava o sistema prisional do Rio de Janeiro. Além disso, quando seus integrantes cumprem suas penas e são liberados, o comando conquista também as ruas e suas ideias se espalham para além das grades. No início deste processo, foram formados grupos para fazer assaltos a bancos. Com o tempo perceberam que há outro negócio mais lucrativo e menos arriscado do que os constantes assaltos a agências bancárias: o tráfico de drogas.

No final dos anos 70 e início dos 80, o aumento do consumo de cocaína na Europa e nos Estados Unidos fez também elevar a produção e o tráfico nos países andinos e apareceram as primeiras “empresas narcotraficantes”, como a liderada por Pablo Escobar, que passaram a produzir cocaína para exportação. É no início dos anos 80 que o Brasil aparece como rota para o escoamento de cocaína para os EUA e a Europa.

Nesse cenário, o Comando Vermelho aparece como uma organização inserida na nova dinâmica internacional do narcotráfico e passa a dominar o mercado de drogas no varejo no Rio de Janeiro. Aparecem os “donos-do-morro”, que se aproveitam da ausência do governo, impõem suas próprias regras e passam a “mandar” nas favelas, onde instalam sua “autoridade”. Em contrapartida, passam a ajudar a população com atitudes assistencialistas: distribuição de comida e gás de cozinha e pagamentos de enterros e batizados.

O Estado responde com a presença de soldados nos morros, ataque a pontos de vendas e prisão de traficantes. Os conflitos são diários com mortes de ambos os lados e são criadas polícias de elite, com o propósito de combater o tráfico. Mas o comércio de drogas já havia tomado proporções enormes. Como demorou a ver e combater o problema, o governo não consegue vencer os traficantes. O Comando Vermelho (CV) continua a intimidar e a traficar. Do Rio passa a enviar a droga a outros Estados, principalmente para São Paulo. Em 2000, os “laços” entre Rio e São Paulo se solidificam quando o CV faz parceria com o PCC (Primeiro Comando da Capital), facção criminosa paulista, e juntos passam a traficar drogas.

Tida como a maior e mais antiga guerrilha das Américas, as Farc – Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia – chegaram a ter 35 mil homens. Fundada em 27 de Maio de 1964, durante uma guerra interna na Colômbia, a organização, que vive nas selvas e montanhas, passou a sobreviver, especialmente, da produção e venda de cocaína e papoula. As Farc produzem 39% da droga colombiana. Outra parte de sua “receita” o grupo obtém com as centenas de sequestros que realiza no país. Calcula-se em 250 milhões de dólares o montante que a organização chegou a conseguir com resgates.

Provavelmente desde 1980, as Farc montaram na Amazônia bases para o tráfico de drogas e de armas. Em 2004, o juiz federal Odilon de Oliveira, de Ponta Porã, na fronteira de Mato Grosso do Sul com o Paraguai, revelou que as Farc se instalaram no Paraguai, na fronteira com o Brasil e passaram a treinar traficantes de São Paulo e do Rio de Janeiro. Deram cursos de guerrilha e também de sequestros aos bandidos das duas maiores facções criminosas do Brasil: O PCC e o Comando Vermelho. “Eles treinam brasileiros lá para agir aqui” disse o juiz. Segundo ele, as quadrilhas de narcotraficantes brasileiros são os principais “clientes” na compra da cocaína produzida pelas Farc. Antes de chegar ao Brasil, a cocaína é levada para o Paraguai. O pagamento é feito em dólares ou armas. Ponta Porã é a segunda cidade do país em lavagem de dinheiro, perdendo só para Foz do Iguaçu (Paraná).

Os “empresários” da cocaína no Brasil “legalizam” o dinheiro conseguido com o tráfico de drogas, com a compra de hotéis, bingos, redes de farmácia, postos de gasolina, bares, lojas de automóveis, fazendas e gado. Outra forma utilizada por eles e descoberta pelo governo brasileiro foi a compra de bilhetes premiados da loteria. Um esquema montado com donos de lotéricas e funcionários de órgãos públicos funcionava da seguinte forma: os bilhetes ou jogos premiados eram “comprados” dos ganhadores, assim o traficante ou político justificava o dinheiro que tinha dizendo que ganhou na loteria.

A última mudança legislativa ocorreu em 23 de agosto de 2006, quando foi promulgada a Lei nº 11.343, a qual institui o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas – SISNAD; prescreve medidas para prevenção do uso indevido, atenção e reinserção social de usuários e dependentes de drogas; estabelece normas para repressão à produção não autorizada e ao tráfico ilícito de drogas; define crimes e dá outras providências. A lei reforça o discurso médico jurídico, aplicando modelos de descriminalização para o usuário e penas mais altas para as condutas identificadas como tráfico de drogas.

 

Fontes: Revista de História, Jus Navigandi e Fátima Souza, via HSW