Sem motivos para ‘bebemorar’

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A cachaça tem uma forte presença na história do Brasil, conquistando um espaço dentro do folclore nacional, como pode ser visto na obra de Luís da Câmara Cascudo, Prelúdio da cachaça, sendo o primeiro trabalho que se destinou a realizar um estudo mais aprofundado da bebida, onde o autor, inclusive, tem a preocupação de diferenciar os nomes “aguardente” e “cachaça”.

Valendo-se de relatos de viajantes, jesuítas e de documentação referente aos engenhos, Câmara Cascudo nos mostra as diferenças entre as “aguardentes” da terra e do reino, sendo a primeira originária do processo de destilação da cana-de-açúcar e a segunda das borras/resíduos da produção do vinho.

A produção de aguardente de cana-de-açúcar surgiu como uma consequência das lavouras açucareiras. A cachaça teria sido resultado da produção do melaço, uma das etapas da fabricação do açúcar. No processo, a borra adocicada que se concentrava sobre a garapa borbulhante era removida com uma espumadeira e jogada numa tábua – daí o termo português “cachaça” que, derivado do espanhol cachaza, era o nome da espuma do caldo. Ali, a borra açucarada fermentava, transformando o que é doce em álcool. Rapidamente, a tecnologia portuguesa de produção de bagaceira adaptou-se aos engenhos, e daí surgiram os alambiques para destilar a bebida. E pronto, eis a cachaça: “A revelação gostosa e catastrófica para negros africanos e amerabas brasileiros. Dissolvente dinástico, dispersador étnico, perturbador cultural”, conforme escreveu o folclorista em seu livro.

Se desde 1994 a cachaça é, por lei, definida como “produto cultural” do nosso país, em meados do século 17, entretanto, a legislação sobre a bebida era bastante diferente. O Brasil era uma colônia, e os portugueses não permitiam que a aguardente fosse vendida. Embora as autoridades coloniais fizessem ameaças e apreensões, fazendeiros desafiavam a proibição para produzir cachaça.

Além disso, havia os religiosos que condenavam a cachaça pelo efeito que fazia sobre os africanos e índios. Nesse caso, não existia nenhum interesse de natureza pecuniária. Apenas uma condenação moral pelos efeitos que provocava em tais consumidores.

Mas, qualquer que fosse a motivação, neste caso, o que importa é que a condenação da cachaça ia ao encontro dos interesses daqueles que desejavam que a Coroa adotasse medidas tendentes à proibição de seu fabrico e de sua comercialização. Em 13 de setembro de 1661, indignados com os altos impostos e perseguidos por vender sua bebida, os donos de alambiques tomaram o poder no Rio de Janeiro por cinco meses, num ato que entrou para a história como “A revolta da Cachaça”. Foram derrotados, mas ganharam o respeito de Portugal, que derrubou a proibição.

Entretanto, se desde 1759 (salvo em dia de eleição), nenhuma outra restrição apareceu à cachaça, segundo Câmara Cascudo, por outro lado a ligação da bebida com a economia segue firme e forte.

Já apresentamos neste artigo uma pesquisa do Ibope Inteligência, com base em dados da Confederação Nacional da Indústria, mostrando que quando a expectativa do consumidor em relação a situação econômica do país cai, aumenta o número de venda de garrafas de cachaça.

A alta taxa de desemprego aliada aos graves problemas financeiros causados pela crise econômica do país são combinações perigosas, que têm levado cada vez mais pessoas à dependência do álcool. A situação é ainda mais crítica entre pessoas que tenham alguma doença associada, como depressão ou quadros de ansiedade, alertam especialistas.

Segundo o Proad (Programa de Orientação e Atendimento a Dependentes) da Unifesp, uma das principais dificuldades para o combate ao alcoolismo é o fácil acesso à bebida. Além disso, o baixo custo da cachaça é outro ponto que pode incentivar o uso. Um exemplo dado pelos profissionais é a cachaça conhecida como “barrigudinha”, em que meio litro custa cerca de R$ 5 e seu teor alcoólico é muito alto.

Estima-se que existam de 40 mil a 50 mil produtores espalhados pelo país. Entretanto, pela natureza da fabricação, é muito difícil quantificar com precisão, já que as estatísticas não levam em consideração os numerosos alambiques de fundo de quintal.

Em contrapartida, mais de 500 apelidos para a cachaça já foram catalogados em tentativas de se formar um léxico de como a bebida é falada na boca do povo, de norte a sul do país. Se até bem pouco tempo os rótulos estampavam a palavra caninha, diminutivo de cana e quase um nome oficial do destilado, hoje encontramos incontáveis sinônimos que vão de branquinha a dengosa, assovio-de-cobra e meu-consolo, passando também por marvada, cátia, cajibrina, pinga, mé…

Em comum, porém, os inumeráveis efeitos nocivos que o álcool causa no corpo, principalmente o etanol, que é uma droga psicoativa que provoca muitos efeitos secundários alterando gravemente o organismo.

 

Fontes: Aventuras na História, Superinteressante e Proad