Conversas & Partilhas

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A arte de escutar é como a luz que dissipa a escuridão da ignorância.

Dalai Lama

 

No intervalo de uma conferência sobre drogas, quatro conhecidos reencontram-se e decidem tomar um café e colocar a conversa em dia. Após pegarem seus cafés, notaram que a cafeteria do evento estava lotada e o único lugar disponível para sentarem e trocarem uma ideia era numa mesa, onde lá se encontrava uma outra pessoa, com quatro cadeiras disponíveis. Foram até à mesa e perguntaram se havia algum inconveniente de sentarem naquele local. O senhor que ali se encontrava não fez nenhuma objeção e estendeu o braço para as cadeiras como um sinal de aval para ali ficarem.

Entre um gole e outro e a introdução costumeira de uma conversa entre pessoas que há algum tempo não se veem, como: aonde está morando? Trabalhando? Casou? Filhos?; e tergiversando quando o assunto era drogas, tratamento e recuperação e sob a indiferença vaga do “dono” da mesa de café, que naquele momento lia uma revista, o mais afoito, mas seguro de sua atitude, iniciou sua fala:

– Então, como sabem comecei a usar drogas muito cedo, comecei com solventes, depois álcool, cocaína e acabei no crack, fiz uso do craçk durante 9 anos de minha vida, morei nas ruas até o momento em que não tinha mais nada e vi meu amigo mais próximo ser assassinado por causa de dívida com os traficantes e, a partir daquele instante decidi mudar de vida e fui à uma comunidade terapêutica para me tratar, completei o tratamento de nove meses e hoje estou aqui, limpo há mais de 4 anos.

Seus amigos completaram: “Viva”, “Muito Bem”, “Só por Hoje” enquanto o quinto participante da mesa levantou a cabeça sobre a revista e a conversa já começava a lhe interessar.

Logo em seguida, a única mulher dentre os quatro companheiros, completou:

– Pois é, eu fiz uso de álcool mas a minha droga preferida era a cocaína, usei durante muito tempo, nem sei o quanto, estava em um relacionamento com um traficante de classe média alta até a época em que o peguei na cama com uma amiga minha e comecei a gritar com ele, foi quando ele me bateu e fui parar no hospital e, nesse hospital, conheci um pessoal do Narcóticos Anônimos que estava realizando um voluntariado, as palavras deles me pegaram de jeito e me apaixonei por aquilo que falavam, resumindo, ingressei na irmandade e estou limpa e serena há 21 dias, 6 meses e 4 anos.

Em uníssono todos arremataram: “Isso aí”, “Tamo junto” a medida que o quinto integrante da mesa, nesse minuto, já tinha largado a revista e era só atenção aos outros quatro.

O mais velho do grupo, então, se manifestou: – A minha desgraça foi o álcool, meu Pai já era alcoolista e me iniciou ao consumo já com 10 anos de idade, bebi tudo o que podia, mas tudo mesmo…mais de trinta anos bebendo e bebendo sem parar, meu corpo não aguentou mais, problemas no fígado, não me alimentava e resolvi ir a um CAPs AD, não tinha dinheiro para pagar uma clínica e nem queria me internar, lá fui bem acolhido e passei a frequentar quase que diariamente o local, resultado: me encontro em recuperação há 3 anos e uma vez por semana sempre volto ao CAPs AD.

Todos os outros bradaram “Sensacional”, Só por Hoje””, no mesmo segundo em que o quinto elemento do grupo aproximou sua cadeira da mesa com os olhos arregalados.

O último deles então disse: – Bem eu só usei maconha, mais de 20 anos, desde os 14, achando que não dava nada, até o dia em que tive um surto psicótico e quebrei tudo em minha casa, atualmente vou duas vezes por semana em uma Clínica Dia e continuo meu tratamento buscando minha recuperação constante e diária.

Todos conclamaram “Espetacular”, “Tamo Junto” no instante em que, os quatro amigos, ao mesmo tempo, olharam para o quinto partícipe da mesa de café e partilhas e, notaram, que lágrimas escorriam pelos seus olhos, foi quando ele se manifestou:

– Meus caros, sou pai de um filho que está fazendo uso de todas as drogas que falaram e mais algumas, seu quadro já é de dependência química e o uso inicial de drogas foi muito prematuro, mas vocês hoje me ensinaram muita coisa:

1º) que nunca devemos nos dar por derrotados e sempre mantermos a esperança;

2º) que devemos ter à disposição todos os tipos e modelos de ambientes de tratamento para os dependentes químicos ou usuários, à disposição e com acesso imediato ao desejo de parar com o uso e quando buscam ajuda;

3º) que não existem critérios seguros para o uso de drogas, lícitas, ilícitas ou prescritas e

4º) que devo ter um diálogo com meu filho e buscar junto com ele a sua recuperação e, por tudo que falaram, sou eternamente grato.

Após isto, pegou sua revista, deu um abraço nos quatro e foi embora, deixando um bilhete para eles com a seguinte frase: “SPH, limpo e sereno há mais de 25 anos, Bons Momentos”.

Minha homenagem a todos os pais, mães, voluntários e adictos que, diariamente, lidam com a dependência química!

 

PITI HAUER é advogado com formação pela UFPR e habilitação específica em Ciências Penais, especializando-se em Dependência Química na UNIFESP, 1º Vice-Presidente da FEPACT – Federação Paranaense das Comunidades Terapêuticas, Membro do Conselho Estadual de Políticas Públicas sobre Drogas no Paraná (2014-2015), Colunista do Paraná Portal – “Vamos falar sobre Drogas?”, colaborador do site “Para Entender a Dependência Química” e com Curso de Extensão ao Crack: Tratamento e Políticas Públicas pela UNIAD.