A dependência química tem cura?

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A dependência química é uma doença incurável, progressiva e fatal. Ela não tem cura, mas possui tratamento. E, caso a pessoa não procure tratamento, o uso de substâncias químicas se transforma em abuso, depois em hábito, até a instalação da dependência, tornando sua própria vida e a de todos à sua volta em tragédia.

O tratamento envolve a abstinência total de álcool e drogas, além de uma transformação completa da personalidade do dependente e da relação que ele mantém com as pessoas de seu convívio. Mesmo sabendo disso, diversos pacientes aparecem nos consultórios procurando algum medicamento que cure definitivamente sua dependência por drogas.

Nesses casos, vale ressaltar que o tratamento da dependência química envolve uma completa mudança dos comportamentos, do caráter, de como a pessoa lida com seus problemas, sentimentos e de como ela se coloca diante da vida e das questões existenciais.

Para algumas pessoas, uma vez ingerida uma substância psicoativa (drogas), seus efeitos ficam gravados para sempre no cérebro como uma “ótima” alternativa para obter prazer imediato e fugir de situações desagradáveis.

Durante vários anos, essa pessoa acredita estar resolvendo todos os problemas com uma solução mágica e sem contraindicações. E assim ela começa a criar um mecanismo muito poderoso e muitas vezes fatal: o autoengano.

Quando a mentira que surge do autoengano se instala na personalidade do dependente, desenvolve-se uma série de mecanismos de defesa para reforçá-lo de que o que ele está fazendo é certo e que todo mundo está errado. Negação, minimização, racionalização e isolamento, são os principais mecanismos de defesa. Existem outros, mas esses já dizem bastante a respeito da degradação moral que acontece na evolução da doença.

Num primeiro momento, da negação, a pessoa tenta se convencer de que não está exagerando. Assim, quando alguém diz para maneirar ou parar com o uso de drogas, o dependente mente e insiste em afirmar que não usa ou não usou, mesmo demonstrando estar visivelmente bêbado ou drogado.

Caso seja muito evidente e falem, por exemplo, para ele que o cheiro está forte, dando para sentir de longe, ele vai dizer que tomou só uma cervejinha ou deu uns “traguinhos” num cigarro de maconha, ou deu só uma cheiradinha na cocaína de “um amigo” e por aí vai. Ele está minimizando o abuso constante de uma substância.

E quando encurralado, o dependente tenta racionalizar, justificando que o que ele está fazendo é certo, afinal, “todo mundo faz, mesmo!”. Em seguida, ele entra numa megalomania, tentando convencer as pessoas que o cercam de que a sociedade é hipócrita, que o sistema está errado, que as liberdades individuais devem ser respeitadas, e todo tipo de discurso pronto já bem conhecido.

Mas em alguns casos, as pessoas próximas, não toleram esse comportamento, então o dependente tem que começar a mentir, agir com desonestidade, seduzir e manipular, mesmo que as pessoas envolvidas sejam muito queridas, como pais, cônjuges, familiares, amigos ou colegas de trabalho e assim por diante.

Isso cria uma reação em cadeia, pois as pessoas queridas começam a se afastar dele, a rejeição sentida vai gerar uma profunda revolta, angústia, depressão, frustração e isso vai fazê-lo consumir mais drogas e se isolar cada vez mais.

No fundo, são pessoas muito imaturas emocionalmente, possuem baixa autoestima e pouca ou nenhuma tolerância à frustração. Isso significa que elas têm dificuldades para lidar com seus desejos não satisfeitos e, como uma criança, eles querem seu prazer agora, caso contrário, alguém vai ter problemas (nem que sejam eles próprios).

Mesmo com tudo isso, é possível uma recuperação? Sim. Mas somente se o dependente conseguir ser honesto consigo mesmo e com os outros. É trabalhoso, demorado e às vezes é por toda vida. Pode ser uma longa jornada, mas é um caminho possível de ser trilhado.

Encarando o problema de frente

“Raramente vimos alguém fracassar tendo seguido cuidadosamente o nosso caminho. Os que não se recuperam são as que não conseguem ou não querem entregar-se inteiramente a este programa simples, em geral homens e mulheres que, por natureza, são incapazes de ser honestos consigo mesmos. Existem pessoas assim. Eles não têm culpa. Parece que nasceram assim. São naturalmente incapazes de entender e desenvolver um modo de vida que exija uma rigorosa honestidade. Para tais pessoas, as probabilidades de êxito são menores do que o comum. Há ainda aquelas que sofrem de graves perturbações emocionais e mentais, mas muitas delas conseguem realmente recuperar-se, quando têm a capacidade de ser honestas .” (Trecho extraído do Texto Básico para Alcoólicos Anônimos)

 

Fred5x7FREDERICO ECKSCHMIDT é psicólogo, especialista em dependência química e mestrando pela Faculdade de Medicina da USP. Possui pós-graduação em Social Health, pela Harvard University e é também é sócio-diretor do Núcleo Synthesis. Email: frederico@nucleosim.com.br