Desinformação, um dos piores inimigos

Tempo de leitura: 3 minutos

Já mostramos neste artigo, assinado por Piti Hauer, que alimentar um vício significa desenvolver um arsenal de mecanismos de defesa psicológicos, que podem ser chamados de desculpas ou mentiras, já que, comprovadamente, os adictos mentem mais para si mesmos do que para os outros.

Entretanto, também existem muitas crenças populares sobre uso de álcool e drogas, a maioria verdadeiros mitos, no sentido de representação fantasiosa, espontaneamente delineada pelo mecanismo mental do homem.

Um destes mitos é que a pessoa precisa chegar ao fundo do poço antes que possa receber ajuda. Isto é totalmente errado. Na verdade, é o contrário. Quanto mais cedo no processo de adicção você puder intervir e ajudar, maiores as vantagens.

Outro mito é que a pessoa precisa querer ser tratada para melhorar. Pessoas que são forçadas a se tratar se recuperam, sim. Sem dúvida que este é um procedimento mais difícil, mas funciona. Claro que não basta internar a pessoa numa clínica contra a vontade dela, sem outro motivador. Adictos podem ser empurrados para entrar em programas de tratamento pelos patrões, familiares ou a polícia se quem tiver empurrando deixar claro os benefícios disto, ou os prejuízos de não participar do programa. Chefes podem ameaçar demitir alguém se não se tratar, uma esposa pode ameaçar abandonar o relacionamento, ou a justiça pode oferecer tratamento para relaxar a pena. Existem pesquisas comprovando que os resultados entre os que foram obrigados a fazer tratamento podem ser tão bons quanto dos que entraram em tratamento voluntariamente.

Pesquisas também comprovam que adictos não são pessoas más que precisam se tornar boas, pessoas insanas que precisam recuperar a sanidade, ou ignorantes que precisam de educação. Adictos possuem uma doença cerebral que vai além do uso de drogas.

Outro mito antigo, provavelmente baseado no desejo de culpar os adictos pelo uso de drogas em excesso, é afirmar que eles possuem um problema de força de vontade. Tal mito é reforçado pela observação de que a maioria dos tratamentos para alcoolismo e adicção é comportamental, do tipo terapia com psicólogo, que tendem a criar autocontrole. Mas a adicção ocorre numa área do cérebro chamada sistema mesolímbico de dopamina, que não está sob controle consciente.

A comprovação científica de que os adictos têm uma doença cerebral que faz com que eles tenham um controle deficiente do uso de drogas derruba o mito de que adictos deveriam ser punidos, e não tratados. Ou seja, na verdade eles precisam de tratamento para a um problema neuroquímico cerebral.

Apesar de, algumas vezes, as pessoas adictas a uma droga se tornarem dependentes também de outras drogas, isso não é regra geral. Isto acontece provavelmente devido ao jeito que cada droga se “encaixa” à química cerebral da pessoa.

Justamente através desta química individual é que novos remédios estão sendo desenvolvidos para ajudar os pacientes que já pararam de usar drogas, restringindo a fissura por drogas viciantes. Estes remédios reduzem as chances de recaídas e aumentam a eficácia de terapias com psicólogos. Estes tratamentos comportamentais, do tipo psicoterapia, junto aos remédios, agem igualmente alterando as funções cerebrais.

Isso nos remete ao mito de que os alcoólatras podem parar de beber simplesmente participando de reuniões do AA, logo isso não seria uma doença cerebral.

A palavra-chave aqui é “simplesmente”. Para a maioria das pessoas, o AA é um trabalho duro e eterno dos Doze Passos. Este sistema de ajuda entre pessoas com uma experiência comum é um dos ingredientes ativos da recuperação no AA que, entretanto, não funciona para todo mundo, mesmo para aqueles que querem realmente parar de beber.

A desinformação é um dos piores inimigos dos adictos e de todos os envolvidos com a questão da dependência química, direta ou indiretamente. Assim, fica fácil observar que todos os mitos aqui apresentados no fundo servem apenas para sossegar as consciências individuais e coletivas. Por isso, é preciso esclarecer e informar.

 

Fonte: Que droga!?