É hora de fazer um detox digital. Conheça os DOZE PASSOS

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A Apple, uma das mais famosas empresas multinacional norte-americana de projetos em produtos eletrônicos de consumo desejados no mundo inteiro, foi cobrada pelo fundo de aposentadoria dos professores da Califórnia a adotar medidas que deem aos pais uma forma de limitar o tempo gasto por seus filhos nas redes sociais, em jogos e outras atividades digitais por meio dos celulares e tablets fabricados pela empresa.

No início deste ano, a bronca repercutiu entre os próprios acionistas da Apple, o grupo de investimento Jana Partners e pelo CalSTRS, preocupados com os efeitos viciantes das novas tecnologias sobre a geração que está crescendo rodeada por elas.

Os dois grupos citaram uma série de pesquisas a respeito das “consequências negativas não intencionais” em uma carta aberta publicada no dia 6 de janeiro para embasar o pedido. Uma destas pesquisas aponta que um grande número de professores no Canadá percebeu aumento de distração e sono, bem como queda de foco e interações sociais, nos intervalos das aulas, entre seus alunos.

A carta também cita os resultados de um estudo da psicóloga americana Jean M. Twenge provando que jovens que passam três horas ou mais nas redes sociais são 35% mais suscetíveis a ficarem deprimidos e cometerem suicídio que quem passa menos de uma hora; para os que ficam cinco horas ou mais, o potencial sobe para 71%.

Sherry Turkle, professora do Instituto de Tecnologia de Massachussets (MIT), em entrevista ao The New York Times, falou a respeito de um movimento de “revide” contra a tomada de espaço da tecnologia na vida das pessoas. “Você vê isso em casos como pessoas que estão evitando mandar seus filhos a escolas que usam iPads, ou ainda crianças dizendo para seus pais tirarem o celular da mão”, afirmou a autora de dois livros sobre as consequências da tecnologia e da internet nas interações sociais, ainda sem edição em português.

A bronca na Apple sobrou para o Facebook no formato de comentários críticos de dois antigos executivos da empresa.

Ano passado, a gigante da rede social virtual publicou Passar o tempo nas redes sociais faz mal?, texto onde cita prós e contras já apontados por meio de estudos acadêmicos. A favor, as benesses da constante interatividade entre amigos e familiares; contra, o consumo passivo de informações e publicações, que faz as pessoas se sentirem mal.

A conclusão foi de que o ruim não é o uso da rede social em si, mas como esse uso se dá. Por isso, a empresa anunciou algumas mudanças no seu feed de notícias e a criação de dois recursos que colocam outro usuário ou uma página em um “modo soneca” por 30 dias. No feed, a principal característica é a de privilegiar conteúdos com “oportunidades para interações significativas” e publicações relevantes.

Esta movimentação do Facebook foi uma resposta ao primeiro ataque sofrido, feito pelo milionário Sean Parker, ex-presidente e cofundador da rede social, que em uma entrevista disse que redes sociais como o Facebook afetam “de modos estranhos” as interações sociais e produtividade. Parker também afirmou que “só Deus sabe o que (o Facebook) está fazendo com a cabeça das nossas crianças”.

O outro ataque ao Facebook partiu do ex-programador da rede social, Chamath Palihapitiya. Para os estudantes da Universidade Stanford ele recomendou que todos parassem de usar aquela rede social. Afirmando sentir-se “tremendamente culpado”, Chamath afirmou que os “ciclos de feedback de curto prazo movidos a dopamina que criamos estão destruindo o modo como a sociedade funciona”. O ex-programador também disse que não existe “preocupação civil, não há cooperação, há desinformação, mentiras. E isso não é um problema americano. Não se trata de anúncios russos. Este é um problema global”.

Apesar das melhorias que os avanços tecnológicos trouxeram, os sintomas da dependência de tecnologia já são comparados por especialistas aos traços que uma dependência química gera na vida de alguém.

Todo e qualquer comportamento compulsivo faz com que a pessoa perca o controle sobre o quanto algo ocupa de energia e tempo na sua vida, de tal forma que essa atividade atrapalha outras esferas sociais, como a do trabalho e das relações pessoais e familiares, chegando até a ser prejudicial à saúde. Isso se aplica à comida, sexo, e até esportes. Por este motivo, a obsessão por celulares – batizada de nomofobia –, seja para acessar redes sociais, jogar ou checar e-mail, não é configurada como doença, mas não deixa de ser percebida como um problema.

Philip Powell realizou uma pesquisa em 2016 com dados de mais de 40 mil domicílios na Inglaterra. “Nossas descobertas mostraram que o uso de redes sociais pode ser prejudicial para os jovens, em média, e isso é consistente com uma série de achados de estudos anteriores”, disse ele ao jornal inglês The Guardian. De acordo com a pesquisa, quanto mais tempo crianças e jovens passavam nas redes sociais, mais infelizes eles se diziam a respeito de suas próprias vidas. Segundo Powell, não se pode afirmar que “uma ou outra rede social é ruim, mas podemos dizer que quanto mais as crianças as usam, maior a probabilidade de que elas não estarão satisfeitas quanto a diferentes esferas da sua vida ou com a sua vida em geral”.

Do ponto de vista puramente psicológico ou comportamental – e tentando não cair em terminologias técnicas médicas ou psiquiátricas –, podemos definir uma dependência, vício ou adicção como sendo:

Um comportamento que a pessoa tenha na maior parte de seu tempo e pense excessivamente sobre isso quando não  está fazendo tal atividade(uma pessoa viciada em trabalho, por exemplo, trabalha a maior parte de seu tempo e pensa em trabalho até nas pouquíssimas horas de folga).

Um comportamento que provoca sofrimento em outras áreas da vida que não a relacionada ao comportamento em questão (uma pessoa viciada em drogas, por exemplo, não vê o uso das drogas como um problema, mas como uma solução. O problema ocorre quando as drogas atrapalham o trabalho, os relacionamentos, a família, etc.).

Pode-se dizer que o excesso desse comportamento pode servir para compensar alguma falta em outra área da vida (uma pessoa viciada em cigarro, por exemplo, pode fumar para ajudar a compensar alguma ansiedade ou nervosismo).

Os sinais da dependência tecnológica muito se aproximam dos casos de dependência química. Pode ser só coincidência, mas tanto quem consome drogas quanto quem usa rede social, celular ou computador é conhecido como “usuário”. A pessoa geralmente apresenta sinais de irritabilidade, ansiedade, isolamento e angústia por ficar desconectado ou distante do celular, computador ou videogame.

O principal critério para identificarmos algum transtorno é o sofrimento. Para podermos caracterizar uma dependência é preciso que o usuário tenha algum tipo de sofrimento direto ou indireto durante bastante tempo, como alguns meses. E a pessoa também tem que sentir grande dificuldade em se livrar do hábito.

Apesar do diagnóstico adequado só poder ser feito clinicamente por um profissional da área de psicologia ou psiquiatria, desde 2013 o dicionário Oxford já catalogava o termo “digital detox” sugerindo uma “desintoxicação digital” – fazer com que a pessoa que se sinta dependente, ou tenha sido diagnosticada por um profissional como dependente, passe um tempo lidando com a sua abstinência. Na China, por exemplo, campos militares estão sendo abertos para receber um grande número de viciados, onde os internos são obrigados a seguir diretrizes militares para abandonar o vício.

Área de “Desligar para Reconectar”. Espaço Digital Detox em San Francisco (EUA)

Em outros países surgiram agências de turismo, hotéis, retiros e spas dedicados à oferta de programas de desintoxicação para jovens e adultos, muitos deles cheios de atividades que vão de rodas de conversa, caminhadas silenciosas, sessões de ioga e meditação a aulas de surf. O tempo mínimo para abandonar o vício vai de caso a caso, dependendo da gravidade da dependência. Há programas que oferecem desconexão completa durante um fim de semana, 10 dias ou até seis meses.

Porém existem medidas mais simples e potencialmente eficientes que podem ser autoadministradas. É o que afirma o ex-editor do site de tecnologia Gizmodo, Pedro Burgos. O jornalista passou pela experiência de um “detox” e relatou tudo em seu livro Conecte-se ao que importa: Um manual para a vida digital saudável.

Ele acredita que a autoconsciência é, sem dúvida, o primeiro estágio para a retomada de controle. “Será que as discussões naquele grupo de WhatsApp não estão me deixando mais irritadiço? As notificações do app, mais ansioso? O joguinho inofensivo está atrapalhando o estudo, ou fazendo dormir menos?”, são questionamentos válidos, segundo Burgos.

O jornalista também recomenda a adoção de listas de coisas que o usuário gostaria de fazer e se guiar por elas deixando de lado “obsessões digitais” que atrapalham tais objetivos.

E, por fim, combater tecnologia com tecnologia. Por exemplo: desinstalar do celular aplicativos como o do Facebook e usar aplicativos como o Onward, que monitoram e bloqueiam o uso de certos aplicativos, além de utilizar vários métodos de treinamento comportamental validados clinicamente para reduzir gradualmente a utilização do celular, utilizando o próprio comprometimento do usuário para ajudá-lo, permitindo que ele mesmo decida seus limites.

E se existem os Doze Passos originalmente formulados por Bill W., co­fundador de Alcoólicos Anônimos, conheça agora os Doze Passos da desintoxicação digital:

  1. Desativar notificações

Algumas das notificações que você recebe em seu smartphone são importantes, mas muitas não são. Percorra suas configurações de notificação e apague as sem importância. Assim, seu celular só irá incomodá-lo com algo que você realmente se preocupa.

  1. Configure seu e-mail para notificá-lo apenas das mensagens importantes

É provável que você receba um monte de lixo eletrônico digital. E é provável que você não precise de seu telefone vibrando sempre que isso acontece. Felizmente, a maioria dos serviços de mensagem pode ser configurado para notificá-lo quando você receber somente emails importantes.

  1. Cancele a inscrição em e-mails indesejados

Alguns dos lixos eletrônicos que você recebe provavelmente incluem boletins de lojas e serviços. Cancele todos.

  1. Basta sair

Quando você estiver tentando se concentrar em algo, feche todas as suas redes sociais e aplicativos de mensagens: Facebook, Twitter, Instagram, etc.

  1. Diga ao seu telefone que você vai dormir

A maneira mais fácil de fazer isso é desligar o telefone ou, pelo menos, colocá-lo no modo avião. Tanto o sistema iPhone quanto o Android permitem que você defina um cronograma em que mudará as notificações durante a noite. Procure por “não perturbe” em ‘configurações’.

  1. Afaste-se da tecnologia

Dê um tempo ainda que seja de pequenos intervalos durante o dia de seu computador. Existem aplicativos que te relembram por quanto tempo você está sentado para, então, sair e se mover.

  1. Bloqueie

Como citamos no corpo do artigo acima, combata tecnologia com tecnologia que permitam que você configure horários de smartphones (quando e quanto tempo para usar aplicativos).

  1. Não verifique seu telefone na hora de dormir

A luz azul brilhante das telas pode ter um impacto negativo sobre o seu sono – e o que você lê pode não ser propício ao sono reparador, também. Então faça um favor a você mesmo: coloque o telefone na mesa de cabeceira e deixe-o lá a noite toda.

  1. Decida quando você vai desligar

Certifique-se de que o tempo escolhido não choca com um prazo importante no trabalho ou outro evento que possa chamar sua atenção para a tecnologia.

  1. Diga às pessoas que você está desconectando

Informe à sua família, amigos, colegas de trabalho e até clientes que você não estará disponível o tempo inteiro. Isso significa que ninguém deverá lhe chamar ou tentar descobrir onde você está.

  1. Desligue tudo

Os aparelhos estão espalhados por toda a casa? Então é uma boa ideia recolhê-los e desligá-los para que eles não o tentem.

  1. Planeje algo para fazer

Lembre-se, você está desconectando para que você possa se concentrar completamente em algo que você gosta. Isso pode significar convidar amigos para jantar, passar um dia no lago ou mesmo relaxar em casa com um bom livro. Ter algo a fazer o impedirá de encarar seu telefone e se perguntar o que está acontecendo do outro lado da tela.

 

Estes passos podem ser seguidos por uma noite, um fim de semana ou férias inteiras. Você precisa apenas ser realista sobre o que funciona com sua agenda. Uma vez que você se compromete com a inatividade digital, a parte difícil está em não responder ao chamado da tecnologia. Ao verificar o seu e-mail, ou suas redes sociais, ainda que leve apenas um minuto, é um minuto que você poderia estar fazendo algo que realmente você queria estar fazendo, sozinho ou bem acompanhado.

Para fazer um bom trabalho de desintoxicação, nunca esqueça que o objetivo é ter espaço para relaxar e se divertir, sem distrações.

 

Fonte: Nexus Jornal & Techlicious