A dependência química e a violência contra a mulher

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A Lei Maria da Penha determinou a criação de Juizados especializados para apreciar os conflitos envolvendo violência contra a mulher decorrente de relações de gênero, ocorrida em ambiente doméstico, familiar ou oriunda de relação de afeto. Entretanto, tal trabalho de só se efetiva com a utilização de mecanismos essenciais que atuem conjuntamente com as inovações trazidas por esta lei, criada em agosto de 2006 e cujo nome é uma homenagem à mulher cujo marido tentou matá-la duas vezes e que desde então se dedica à causa do combate à violência contra as mulheres.

Mas os profissionais deste juizado, porém, puderam constatar que os problemas relacionados ao consumo abusivo de bebidas alcoólicas – bem como o uso de drogas –, aparecem com frequência significativa na demanda de atendimentos pelo Setor Psicossocial.

A violência contra as mulheres (VCM) é reconhecida mundialmente como problema de saúde pública, principalmente pelo impacto em suas vidas e de outras pessoas envolvidas, como também pela dimensão econômica e social.

Da mesma forma, o uso abusivo de álcool e outras drogas também se configuram como uma questão de saúde pública, pois agregam problemas de ordem física, psíquica, familiar, social, econômica e laboral. Isto foi evidenciado em uma pesquisa de âmbito nacional sobre o padrão de consumo de álcool na população brasileira na qual 25% dos entrevistados disseram que o(a) companheiro(a) com quem morou ficou irritado(a) com a bebedeira, enquanto 12% disseram ter iniciado discussão ou briga com o parceiro quando bebiam.

O consumo abusivo de álcool e outras drogas pelo companheiro vulnerabiliza ainda mais as mulheres para situações de violência nas relações conjugais e familiares. A convivência torna-se incômoda e sofrida para a mulher que não deseja mais compartilhar o mesmo tempo e espaço na relação social com o companheiro, significando a ação de denunciar uma perspectiva de romper com o ciclo da violência vivida.

A agressão vivida pelas mulheres é atrelada ao abuso de bebida alcoólica e outras drogas, uma vez que, quando os companheiros não estão sob o efeito destas substâncias, demonstram ter um comportamento mais tranquilo. Além disso, o uso de drogas pode levar o homem a forçar a companheira a ter relações sexuais o que agrava ainda mais os casos de violência.

Embora o abuso de álcool e a violência sejam abordados como uma relação causal, destaca-se que esse não é a causa da violência sofrida, mas um fator que potencializa ou vulnerabiliza as mulheres ao contexto violento. O fenômeno da violência e a articulação com as drogas exige que estes temas sejam tratados com instrumentos, conhecimentos e ações que ultrapassem o moralismo simplista. Desta forma, há necessidade de se distinguir a complexidade do contexto, a dinâmica social e as normas culturais historicamente construídas – a questão de fatores de personalidade, individualidade e gênero.

No caso da questão de gênero socialmente formulada, o uso abusivo do álcool e outras drogas foi obscurecido pela valorização social do consumo entre homens e pelas relações de gênero desiguais. Isso reitera comportamentos e papéis sociais que precisam ser superados e que tem como consequência comportamentos violentos que geram sofrimento e adoecimentos. Ao considerar tal perspectiva, as ações em saúde poderão propiciar um atendimento que reconheça, dentre os direitos humanos das mulheres, o direito à integralidade no cuidado.

Acolher as demandas das vítimas de VCM significa também que a atuação dos profissionais da área de saúde necessita ir além das questões biológicas e do cuidado das mesmas tendo em vista ampliar o cuidado para os companheiros alcoolistas e/ou usuários de outras drogas. Além disso, sugere-se que a integralidade no cuidado e as questões de gênero sejam incorporadas como referências na formação dos profissionais que atendem a esses grupos. Esta postura torna-se indispensável uma vez que, tanto as mulheres em situação de violência quanto os homens estão, frequentemente, nos serviços de saúde, seja em âmbito hospitalar, seja na atenção primária à saúde.

 

Fonte: Revista Brasileira de Enfermagem