E-cig, o vapor da discórdia

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Criados no início dos anos 2000, os cigarros eletrônicos vêm se multiplicando em modelos, sabores e controvérsia. Enquanto, em países como EUA e Reino Unido, os chamados e-cigs se popularizaram, em outros, como Dinamarca e Itália, sua venda tem diversas restrições. No Brasil, a comercialização do produto é proibida pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), mas os dispositivos vêm ganhando uma legião de adeptos no país. Eles conseguem adquirir cigarros eletrônicos facilmente pela internet e até em lojas de rua. Há, inclusive, usuários que passaram a comprar grandes quantidades do produto em balcões virtuais para revender por aqui. Só de janeiro de 2014 a este mês, a Receita Federal apreendeu 2.100 unidades, a maioria em Foz do Iguaçu.

Enquanto os usuários, chamados de “vapers”, militam pela sua regulamentação no Brasil, alegando que os e-cigs podem ajudar na luta para abandonar o cigarro convencional, especialistas pedem muita cautela. De acordo com médicos, ainda não há um volume suficiente de estudos para garantir que os dispositivos sejam seguros para a saúde.

Alimentados por baterias, os e-cigs são dispositivos que geram vapor inalável a partir de cartuchos descartáveis com líquidos compostos de aromatizantes, água, glicerol e outros elementos. O usuário pode escolher entre cartuchos com diferentes doses de nicotina ou até sem a substância, considerada altamente nociva e viciante. Justamente por haver essa opção de regular a dosagem de nicotina, muitas pessoas que desejam abandonar o cigarro comum estão adotando o eletrônico.

De acordo Jaqueline Scholz, diretora do Programa de Tratamento do Tabagismo do Instituto do Coração (Incor), do Hospital das Clínicas da USP, o vapor dos e-cigs percorre os mesmos caminhos da fumaça do cigarro comum: inalado, ele vai para o pulmão e ganha a corrente sanguínea, nos alvéolos pulmonares — uma parte é absorvida pelo organismo e a outra, expelida:

— A diferença do vapor para a fumaça é a ausência das substâncias tóxicas provenientes da combustão.

No Brasil, o produto é vendido por valores que variam conforme o modelo — o comércio é proibido, mas o consumo, não. O mais básico pode ser comprado por cerca de R$ 49. Já um modelo intermediário custa cerca de R$ 130.

Secretária-executiva da Comissão Nacional para Implementação da Convenção-Quadro para o Controle do Tabaco, do Instituto Nacional do Câncer (Conicq/Inca), Tânia Cavalcante considera os e-cigs um grande dilema na comunidade científica:

— Há muito marketing sobre eles e seu possível auxílio no tratamento do vício à nicotina, mas muita coisa sem base científica. Os estudos a respeito ainda são recentes para qualquer conclusão sobre os seus efeitos.

Apesar de o número de “vapers” crescer em todo mundo, sua situação está longe de ser unanimidade entre as autoridades. Enquanto países como Alemanha, França e Reino Unido permitem a sua venda, outros como Dinamarca, Finlândia e Itália o fazem com restrições. No EUA, a sua legalidade varia de acordo com cada estado. Já Argentina e México o proíbem.

Por aqui, a Anvisa alega que a venda dos e-cigs não é permitida porque “não há comprovação clínica nem científica da eficácia e da segurança na utilização de tais produtos”, e nem da sua segurança para o fumo passivo.

Já a Polícia Federal diz que o combate ao contrabando do produto faz parte da sua estratégia contra crimes transnacionais, que englobam tráfico de drogas e armas, e contrabando em geral.

A posição das autoridades brasileiras segue uma conclusão semelhante da Organização Mundial de Saúde (OMS), que no ano passado elaborou um relatório alertando para o perigo que o produto pode ter para crianças e jovens.

Nem mesmo o fato de a venda dos e-cigs representar uma infração sanitária sujeita a multa de até R$ 1,5 milhão tem sido suficiente para impedir a sua popularização no Brasil.

Em geral, os “vapers” argumentam que a proibição do e-cig trata-se de uma incoerência diante da venda legal do cigarro comum.

Apesar de reconhecer que os e-cigs têm menos substâncias tóxicas que o cigarro comum, Jaqueline Scholz, do Incor, nega que eles sejam um tratamento para o vício em nicotina.

— O fato de eles terem vantagens em relação aos cigarros não quer dizer que não tenham outras substâncias tóxicas. A regulamentação dos e-cigs é um debate quente, mas a proibição da sua venda é preventiva — diz ela.

 

Fonte: O Globo