Irmãos de dependente químico: Filhos invisíveis

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A codependência costuma atingir pais e mães de dependentes químicos com grande intensidade, afetando-os de tal forma capaz de abalar toda a dinâmica familiar.

Como consequências, experimentam um sofrimento profundo onde a culpa, o medo, o desespero, a vergonha, a angústia, entre outros, passam a fazer parte do cotidiano familiar. Toda essa mistura de sentimentos favorece a perda do desejo pela vida e, não raro, buscam o isolamento. Adoecidos pela codependência perdem a alegria de viver como se nada mais fizesse sentido ou valesse a pena, resumindo toda a existência única e exclusivamente em função do filho problema, transformando-o no centro de todas as atenções e cuidados. Afetados pela doença, esquecem-se de si próprios e até mesmo dos outros filhos considerados “normais”.

Esses outros filhos, por vezes ainda crianças ou mesmo adolescentes não ficam imunes às consequências do problema. Primeiro, porque sofrem com a dependência do irmão; não bastasse isso, sofrem ainda ao assistir o sofrimento dos pais e sofrem, também, porque acabam esquecidos dentro da própria casa, tornando- se pessoas invisíveis aos olhos dos pais.

Essas crianças que não apresentam problemas sérios também precisam de carinho, de atenção, de cuidados e como não apresentam condutas desajustadas, assistem toda a atenção dos pais concentrada no filho adicto, que faz barulho, que grita, que reclama, que ameaça. Os “bons filhos” desejam viver, sair, passear, divertir-se e nunca encontram seus responsáveis com disposição para acompanhá-los, porém basta o “filho problema” fazer uma queixa, uma cobrança que imediatamente é atendido.

A concentração no dependente, somado ao medo de contrariá-lo, torna-se tão intensa que os pais não possuem mais ouvidos para os filhos “certinhos”. O diálogo torna-se escasso e em casos mais severos, chegam ao absurdo de esquecer até mesmo a data de seus aniversários.

Quaisquer queixas ou pequenos problemas que eles apresentam não são levados a sério, pois são considerados pequenos e sem importância, comparados com o problemão enfrentado com o filho usuário.

Como concentram todo o foco no filho dependente químico, não conseguem visualizar detalhes importantes em relação aos outros considerados “bonzinhos” e sem perceber acabam ignorando-os. Sentindo-se invisíveis, os “bons filhos” podem experimentar momentos de solidão, vivendo como se não existissem dentro do lar, como se não houvesse espaço para eles na vida dos genitores,

Estes filhos esquecidos podem estar gritando por atenção, por socorro, vivendo momentos de sofrimento e angústia, esperando por um abraço, implorando por um carinho e mesmo assim continuam ignorados. Por vezes se calam, se fecham em seu mundo, sem se queixar de nada, sem reclamar de nada. Como se fecham acabam transmitindo a falsa impressão de que estão bem, mas talvez chorem escondidos no silêncio do seu quarto, carentes de um colo de mãe.

Sabemos o quanto a batalha pela recuperação do filho dependente químico absorve tempo e energia dos pais, porém precisamos de um olhar cuidadoso em relação aos demais filhos. Reservar um tempo e espaço só para eles, onde possamos brincar, sair, divertir, ouvi-los com atenção, mostrando nosso interesse, sem esquecer-se de transmitir o quanto são importantes para nós e o quanto o amamos, lembrando sempre que eles precisam de atenção redobrada, que vez ou outra precisam de um abraço apertado, precisam de “colo”.

Precisamos enxergar os “bons filhos”, antes que eles se cansem da invisibilidade e decidem mostrar que estão ali. Como bons observadores, eles já aprenderam como conquistar nossa atenção: criando problemas.

O caminho é antecipar-se, lutando contra a codependência que limita nossa visão do problema e o primeiro passo é buscar por um remédio que se chama “apoio e orientação”. Os grupos do programa Amor-Exigente tornam-se fundamentais nessa batalha, pois proporcionam a possibilidade dos pais enfrentarem a doença de forma assertiva e orientada e o primeiro caminho é sair do isolamento e buscar ajuda.

 

CELSO LUÍS GARREFA é formado em pedagogia pela Ulbra EAD e Coordenador do Programa Amor-Exigente na cidade de Sertãozinho/SP