Formaturas movidas a álcool: o perigo de não dizer ‘não’

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  • Não jurarás amor, mas jurarás pinga.
  •  Valorizarás cada GOTA de bebida.
  • O juízo perderás.
  • Se manterás impuro.
  • Não se preocuparás com o que a sociedade pensará.
  • Sarrarás.
  • Rebolarás o bumbum.
  • Com a língua, matarás.
  • Jamais se intimidarás com grandes copos e grandes doses, pois dessas demonstrações de coragem (sic) virão os grandes porres e a noite mais épica da sua vida.

Pode parecer os mandamentos de uma orgia regada a álcool, mas, acredite, são as regras para festas de formatura organizadas no Rio de Janeiro pela empresa FormaIdeal Obah. E formatura do ensino médio, de jovens e adolescentes de 15 a 18 anos. Formatura regada a álcool.

O alerta foi dado pela jornalista Ruth de Aquino em sua coluna na Revista Época. Ruth classifica as festas como “nababescas e regadas a coma alcoólico”. Para ilustrar seu alerta, Ruth lançou mão de um texto escrito por outra jornalista, Kika Gama Lobo, que, em seu perfil no Facebook, se disse chocada com o clima de Sodoma e Gomorra em uma festa de formatura de tradicional colégio carioca organizada pela referida empresa.

Republicamos, abaixo, os trechos do depoimento de Kika, mãe de meninas e que “nunca foi careta”, selecionados por Ruth:

“Foi uma superprodução tipo Hollywood. Paguei caríssimo, em 12 vezes. Linda decoração, comida a rodo, rodízio de japonês, som de prima, vestidos de Oscar, rapazes de tuxedo, mas me pergunto: pra que tanta bebida? Vi quatro ilhas de vodkas, cervejas, espumantes, drinks, energéticos – tipo festa de Bacco. A certa hora eram zumbis sacolejantes, com olhares perdidos dando PT (na gíria deles, ‘perda total’, nada a ver com partido, se bem que podia ser). Uma excitação forçada, uma alegria de gôndola, garotos e garotas vulgarmente em transe… (…) Vi meninas dançando em cima de pufes, vestidos curtíssimos, saltos altíssimos, decotes profundos – balinhas rolando, maconha no ar, mistura de etílicos, o som de proibidões que bradavam a cultura da bunda, do sexo, da droga, das armas, e as patricinhas se igualando a meninas da periferia em gingado e atitudes. No banheiro, a imagem da decadência, com vômitos e sujeira. (…) Eles já não tinham mais sapato, gravatas, enfeites do cabelo, bolsas… eram apenas corpos entregues… Os meninos pareciam lobos, caçando… As presas estavam ali. (…) Na volta, na fila do táxi, meninas sozinhas ou em duplas – seminuas e alteradas pela bebida – entrando nos ubers da vida… (…) Ainda acho que temos de educar melhor nossos filhos. Me incluo nisso. Passei tempo demais fora de casa, trabalhando, me desculpando por isso…”.

Ruth já havia tocado no assunto em outro artigo onde escancara o mercado de formaturas do ensino médio com “bebida liberada… porque não existe formatura sem bebida”. E, para garantir que se cumpram as ‘regras’ que apresentamos na abertura deste texto, a empresa Forma Ideal Obah promete “reposição de todas as bebidas até o fim da festa”. O que garante, também, alguns casos de coma alcoólico. E de violência sexual. Afinal, uma das “drogas do estupro” mais comum no mundo é o álcool.

O médico Manuel Alexandre da Silva, que trabalhava no Hospital Municipal da Mulher Fernando Magalhães, referência em atendimento a vítimas de violência sexual e conhecedor desta realidade, parabenizou Ruth pelo artigo “que espero repercutir nas consciências dos pais que patrocinam tal descalabro”, escreveu.

Nos dois artigos sobre o tema, a proposta de Ruth de Aquino é, justamente, acordar os pais para esta realidade: não querem filhos alcoólatras, mas pagam por formaturas regadas a muita bebida – e com regras absurdas do mais puro estímulo covarde do que, maldosamente, eles mesmos chamam de “demonstrações de coragem”. Segundo Ruth, os pais capitulam por medo de “desgostar os filhos e por achar a festa importante para o futuro profissional” deles.

Paradoxalmente, como já mostramos neste artigo, a Associação Brasileira da Indústria da Cerveja (Cerv Brasil), que representa a Ambev, a Brasil Kirin, o Grupo Petrópolis e a Heineken Brasil, deu início a uma campanha de alcance nacional visando interromper o patrocínio a festas universitárias “open bar” em todo o país.

Ou seja, enquanto a indústria da cerveja se preocupa em desestimular o consumo abusivo e nocivo entre universitários, os próprios pais estimulam, ainda que indiretamente, a bebedeira desenfreada numa formatura… de ensino médio! É verdadeiramente, nas palavras de Ruth, um triste “retrato dos pais que não dizem “não” aos filhos”.

 

Fonte: Ruth de Aquino via Revista Época