A associação de drogas ilícitas com hipertensão arterial

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Segundo pesquisa do Ministério da Saúde realizada em 2010, a hipertensão atinge 23.3% dos brasileiros e o sal é apontado como o grande vilão por ser a maior causa da doença.

Considera-se que a pessoa é hipertensa quando, ao se medir a pressão arterial em repouso, obtém-se valores acima de 14 por 9. Esses são os números de corte. Acima deles, a pressão é considerada elevada; abaixo, é normal. Esse valor independe da idade, tanto faz se a pessoa tem 20 ou 60 anos.

A Sociedade Brasileira de Hipertensão recomenda que a pressão arterial deva ser medida regularmente, no mínimo, uma vez por ano, inclusive por aqueles que não têm ou desconhecem ter a doença. A recomendação se aplica também às crianças, a partir dos três anos de idade. Já os hipertensos devem verificar a pressão constantemente.

Diretamente ligada aos problemas de coração, a hipertensão arterial é decorrente de diversas causas modificáveis, entre elas, a induzida por substâncias ou drogas. Estas podem causar elevações pressóricas agudas, redução da eficácia das drogas anti-hipertensivas ou o agravamento de uma hipertensão preexistente. Entre as substancias ou drogas mais frequentemente relacionadas com esta condição estão os esteroides, os antidepressivos, as drogas simpatomiméticas, os anti-inflamatórios não hormonais, os esteroides sexuais, as terapias imunossupressoras como a ciclosporina, a eritropoetina, os agentes anestésicos, o álcool e as drogas ilícitas como a cocaína, as anfetaminas e seus derivados.

Nem todas as substâncias estão consistentemente relacionadas à elevação da pressão como ocorre com alguns contraceptivos orais, anti-inflamatórios não hormonais e o álcool. Nestes casos parece haver uma dependência da dose usada e o tempo de acompanhamento. De um modo geral, estas drogas e medicamentos causam elevação da pressão arterial por promover retenção de sódio e água e afetar a resistência vascular renal e extrarrenal.

Já as drogas ilícitas promovem estimulação importante com quadros graves e risco de vida.

O uso de drogas ilícitas constitui um importante problema social com implicações na saúde, especialmente em populações de adolescentes e adultos jovens. A cocaína e outras drogas ilícitas podem causar arritmias cardíacas, insuficiência cardíaca e convulsões.

Cocaína – Embora o uso de cocaína não seja uma causa comum de hipertensão crônica, o uso desta droga por qualquer uma das vias (inalação, injeção EV e fumo na sua forma alcaloide – o crack) tem implicações agudas muito mais graves e preocupantes. A maioria dos usuários permanece normotensa, porém o uso crônico pode causar hipertensão aguda em normotensos e pode exacerbar os níveis pressóricos e levar a quadros de hipertensão arterial mais resistente nos pacientes com hipertensão já diagnosticada. Alguns sinais como hipertensão aguda associada à palpitação, vermelhidão do rosto, sudorese e hiperventilação podem representar um episódio agudo do uso da droga e ser confundido com feocromocitoma. Além disso, a cocaína pode se associar à hipertensão persistente relacionada à insuficiência renal e rápida progressão para doença renal terminal, além de cursar com rabdomiólise.

A cocaína é um potente vasoconstritor e pode causar quadros de infarto agudo do miocárdio, arritmias, morte súbita e acidente vascular cerebral. A cocaína causa um importante estreitamento das artérias intrarrenais devido à fibrose da íntima. As crises adrenérgicas podem levar à hipertensão, taquicardia, hipertermia, agitação e convulsões. A toxicidade aguda causada pela cocaína requer reversão imediata das complicações cardiovasculares e neurológicas.

Agudamente a cocaína aumenta a liberação e diminui a captação neuronal da norepinefrina provocando desta forma aumento na frequência cardíaca e na pressão arterial. Esta estimulação simpática aguda ocorre em até 120 minutos após o uso. Este quadro é acompanhado por dor precordial do tipo isquêmico, infarto do miocárdio e morte súbita decorrente da vasoconstrição coronariana. Pode ainda, ocorrer complicações cerebrovasculares como cefaleias vasculares, infarto cerebral, hemorragia subaracnoidea e até mesmo casos de hemorragia intracerebral. Dados da literatura relatam que 27% dos adolescentes e adultos jovens que dão entrada em hospitais com acidente vascular cerebral agudo são usuários de cocaína.

A meia-vida da cocaína é relativamente curta, com cerca de uma hora, o que permite que se o quadro não for muito severo sejam tomadas medidas conservadoras e de observação. Porém, em casos mais graves, em que há uma elevação pressórica importante ou envolvimento cerebral ou cardiovascular devem-se instituir intervenções farmacológicas.

Maconha (Cannabis sativa) – O efeito da maconha sobre a pressão arterial se reflete por um aumento na freqüência cardíaca e pressão arterial sistólica. O ingrediente ativo da maconha, delta-9-tetraidrocanabinol (THC), age sobre o sistema nervoso central afetando o turnover da acetilcolina no hipocampo.

O uso da maconha pode causar aumento na demanda de oxigênio com características semelhantes às provocadas pelo estresse e pode assim complicar condições preexistentes como hipertensão, doença cerebrovascular e aterosclerose coronariana.

Anfetaminas e derivados (MDMA) – O uso de anfetaminas e derivados das anfetaminas por via oral (ectasy-MDMA) mimetizam as ações da cocaína. A estimulação simpática pode causar aumento súbito da pressão arterial com crise hipertensiva associada a acidente vascular cerebral, vasculite cerebral e aneurisma dissecante da aorta.

O uso de MDMA é capaz de provocar elevações pressóricas tão graves que existem relatos de mortalidade na faixa de 40% apesar dos tratamentos em unidades de terapia intensiva, além de se associar com quadros de insuficiência renal aguda.

O tratamento farmacológico da hipertensão associada ao uso de anfetaminas e derivados é o mesmo que para a cocaína, incluindo o uso de nitroglicerina, fentolamina, verapamil, nitroprussiato, clonidina e labetalol. Os distúrbios psicológicos provocados por MDMA podem ser revertidos, pelo menos em parte com o uso de clorpromazina, um antídoto para a hipertermia e hipertensão geradas por esta droga.

Álcool – A associação entre o consumo de álcool e a elevação da pressão arterial é conhecida há muitos anos. Basicamente, os efeitos cardiovasculares do álcool dependem da duração e quantidade de álcool consumida, do tempo desde a última dose e mesmo de fatores étnicos. Estudos têm demonstrado que baixas concentrações de etanol promovem aumento do fluxo sanguíneo coronariano, débito cardíaco e volume sistólico em corações normais, enquanto concentrações mais altas deprimem esses parâmetros hemodinâmicos. Estima-se que 10% dos pacientes hipertensos tenham exacerbação dos níveis pressóricos quando fazem uso de álcool. O mecanismo exato que leva à hipertensão não é totalmente conhecido, entretanto, descreve-se estimulação do sistema nervoso simpático, aumento na secreção de glicocorticoides, aumento na captação celular de íons cálcio livres com consequente aumento da resistência periférica. A conduta a ser tomada é a descontinuação da ingestão de álcool, especialmente nos indivíduos com ingestão moderada a intensa.

 

Fonte: Frida Liane Plavnik, com graduação em Ciências Médicas e Biológicas pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, mestrado e doutorado em Medicina (Nefrologia) pela Universidade Federal de São Paulo – via Revista Brasileira de Hipertensão