“Lei da Balada”: primeiras notas e consequências

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Foi sancionada no dia 17/03/2015 pela presidente Dilma Rousseff, a Lei nº 13.106/2015 que criminaliza a oferta de bebidas alcoólicas a menores de 18 anos.

O Projeto de Lei PLS 508/2011 foi aprovado em abril de 2013 no Senado e confirmado na Câmara em fevereiro de 2015. Antes da nova Lei, a venda de bebidas a menores era considerada apenas uma contravenção penal, punida com prisão de dois meses a um ano ou multa.

A redação da Lei nº 13.106/2015, já popularmente chamada de “Lei da balada”, torna crime “vender, fornecer, servir, ministrar ou entregar, ainda que gratuitamente, de qualquer forma, a criança ou a adolescente, bebida alcoólica ou, sem justa causa, outros produtos cujos componentes possam causar dependência física ou psíquica”.

Quem infringir a Lei ficará sujeito a pena de detenção de dois a quatro anos e multa. Estabelecimentos que descumprirem a proibição poderão ser multados nos valores que variam de R$ 3 mil a R$ 10 mil, com interdição do local até o recolhimento da multa aplicada.

A redação anterior do art. 243, e sua combinação com o art. 81, ambos do ECA, permitia a interpretação no sentido de as bebidas alcoólicas não entrariam na definição de “produtos cujos componentes possam causar dependência física ou psíquica” e, assim, não permitia o perfeito enquadramento no crime previsto no mencionado art. 243.

Na redação deste artigo 81, o legislador do ECA, ao proibir a venda de certos produtos às crianças e adolescentes cuidou de diferenciar as “bebidas alcoólicas (inciso II)” de “produtos cujos componentes possam causar dependência física ou psíquica ainda que por utilização indevida (inciso III)”. E tal diferenciação (indevida, diga-se) trouxe à tona o seguinte entendimento: bebida alcoolica é uma coisa; produtos que causem dependência é outra coisa, de forma que a conduta de pessoa que vendesse ou fornecesse bebida alcoólica a criança ou adolescente não poderia ser tipificada na anterior redação do art. 243 do ECA, que assim dispunha:

“Art. 243. Vender, fornecer ainda que gratuitamente, ministrar ou entregar, de qualquer forma, a criança ou adolescente, sem justa causa, produtos cujos componentes possam causar dependência física ou psíquica, ainda que por utilização indevida”. Ou seja, a antiga redação do art. 243 do ECA tinha como objeto material “apenas” os “produtos cujos componentes possam causar dependência física ou psíquica” e, deixava de fora, segundo tal entendimento, as “bebidas alcoólicas” (posto que, como já dito acima, são coisas diferentes, de acordo com o art. 81).

Obviamente, já havia entendimentos em sentido contrário, ou seja, entendimentos no sentido de que o tipo penal não fazia referência ao art. 81, inciso III, ECA, mas a “toda e qualquer” substância que causasse dependência e, então, permitiria a incidência de tal artigo à conduta daquele que vendia ou fornecia bebida alcoólica a criança ou adolescente. Contudo, percebia-se na doutrina e na jurisprudência uma forte tendência em excluir as bebidas alcoólicas da abrangência do art. 243, em virtude do apego (excessivo) ao princípio da legalidade.

Excluindo-se tal conduta do art. 243 do ECA, restava tão somente a incidência do art. 63, inciso I, da Lei das Contravenções Penais, que assim dispunha:

“Art. 63. Servir bebidas alcoólicas:

I – a menor de dezoito anos (…)”

Com a atual redação que lhe foi dada pela Lei 13.106/2015, o art. 243 do ECA permite, agora, o enquadramento da conduta daquele que vende ou fornece (entre outros verbos) bebidas alcoólicas a menores de 18 anos, inclusive revogando expressamente o inciso I do art. 63 da LCP, acima mencionado. É esta a nova redação do art. 243:

“Art. 243. Vender, fornecer, servir, ministrar ou entregar, ainda que gratuitamente, de qualquer forma, a criança ou a adolescente, bebida alcoólica ou, sem justa causa, outros produtos cujos componentes possam causar dependência física ou psíquica;

Pena: detenção de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa, se o fato não constitui crime mais grave”.

Desta forma não há mais escapatória para aquele que vende ou fornece bebidas alcoólicas a crianças e adolescentes: será enquadrado no art. 243 do ECA.

Importante destacar que, se antes da modificação, essa pessoa era enquadrada em uma “mera” contravenção penal e ficava sujeita a uma pena de dois meses a um ano (além de multa); agora, por incidir no novo art. 243 do ECA, ficará sujeito a uma pena de 2 a 4 anos de detenção, além de multa (as penas do art. 243 também foram modificadas pela Lei 13.106/2015, em comento). Tal modificação traz reflexos significativos no “status libertatis” do cidadão infrator.

Se antes, ao ser enquadrado em mera contravenção, o infrator tinha de se submeter apenas a uma lavratura de Termo Circunstanciado (por se tratar de uma infração de menor potencial ofensivo, como toda contravenção, e não seria autuado em flagrante), com o novo enquadramento e nova pena, a pessoa que é surpreendida incidindo no atual artigo 243, ECA, fica sujeito a autuação em flagrante, posto que a pena máxima, sendo superior a dois anos, retira tal conduta do rol das infrações de menor potencial ofensivo, e ele não mais será “beneficiado” pelos institutos despenalizadores da Lei 9.099/95 (não cabe o mero “TC”, não cabe transação penal, não cabe sequer suspensão condicional do processo, posto que a pena mínima é superior a 1 ano).

Portanto, antes, o infrator era conduzido para a Delegacia e ali se lavrava apenas um “TC”; agora, é conduzido para a Delegacia e ali será autuado em flagrante. Importante mencionar que, ausentes as situações previstas nos arts. 323 e 324 do CPP (situações que impedem a concessão de fiança), o autuado fará jus à liberdade provisória concedida pelo próprio Delegado de Polícia, mediante a prestação de fiança (como a pena máxima não é superior a 4 anos, o art. 322 do Código de Processo Penal permite à autoridade policial, se presentes os requisitos, arbitrar fiança e permitir que permaneça solto durante o inquérito e o processo).

Importante lembrar que a materialidade do crime em tela ficará demonstrada mediante a apreensão e posterior constatação, pela pericia, de que se trata realmente de bebida alcoólica aquilo que foi fornecido ao menor de 18 anos. Assim, imprescindível para a autuação em flagrante (e para a continuidade da persecução criminal), que a substância seja apreendida e apresentada na Delegacia, juntamente com o conduzido e com o adolescente “vítima”. Recomenda-se, ademais, a teor do que hoje já é feito por determinação da Lei de Drogas (Lei 11.343/06) que seja feito um Auto de Constatação Provisória, no sentido de se afirmar que a substância apreendida, ao menos numa análise preliminar, é sim bebida alcoólica e, assim, justificar a prisão e a autuação em flagrante.

Confira publicação na íntegra no Diário Oficial (18/03/2015) clicando aqui.

 

Fontes: CISA & Jus Navigandi, via Cristiano Augusto Quintas dos Santos