Em jogo, os jogos e suas consequências patológicas

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Um conjunto de 14 projetos de lei (PL 442/91 e apensados), que regulamentam atividades de cassinos e outras modalidades de aposta hoje proibidas, foi reunido pelo relator Guilherme Mussi (PP-SP) em uma proposta final.

Batizada de “Marco Regulatório dos Jogos no Brasil”, a proposta foi aprovada pela comissão especial que trata da legalização e regulamentação não somente das atividades de cassinos, mas também o jogo do bicho, bingos e o funcionamento de máquinas de videobingo, caça níqueis, apostas e jogos online.

O projeto ainda prevê que a União crie uma agência reguladora federal para fiscalizar as atividades. As casas de jogo deverão, inclusive, estar conectadas via internet a este órgão federal.

A tramitação destes projetos no Congresso Nacional levanta a discussão acerca do vício em jogo, o jogo compulsivo, chamado cientificamente de ludopatia. Segundo levantamento feito pelo doutor Hermano Tavares, psiquiatra e professor do departamento de psiquiatria da Universidade de São Paulo (USP), este problema atinge cerca de 2,3% da população brasileira.

A ludopatia é uma doença comportamental semelhante à dependência química dos usuários de álcool e outras drogas e, como elas, tem tratamento. Ou seja, o jogo patológico é um transtorno psiquiátrico e não um desvio de caráter.

Em entrevista à Revista Espaço Aberto, da USP, Tavares conta que um caso patológico deve atender a três pilares característicos, que, juntos, fecham o diagnóstico. O primeiro pilar é a perda de controle sobre a atividade de aposta e as tentativas frustradas de ficar sem jogar.

O segundo pilar do diagnóstico é a adaptação do cérebro à exposição recorrente ao jogo, fazendo com que o prazer de apostar vá diminuindo. Para compensar, o jogador aumenta o risco, de forma a ter a mesma emoção que tinha no começo.

O terceiro pilar é o sofrimento psicossocial. “Quando o jogador exagera, acaba acumulando uma série de prejuízos: éticos, financeiros, morais, nos relacionamentos pessoais, no trabalho. E mesmo com todos esses prejuízos, ele continua jogando”, diz Tavares, que desenvolve um programa de atendimento e pesquisa voltado a esse público desde 1997 quando criou o Ambulatório do Jogo Patológico (Amjo), posteriormente renomeado para Pro-Amjo (Programa Ambulatorial do Jogo), que funciona no Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas em São Paulo.

A recuperação do jogo patológico é condicionada por vários fatores, como a própria pessoa perceber que precisa de ajuda, ter apoio familiar e vontade de se recuperar. O tratamento consiste basicamente em psicoterapia. Também se torna fundamental ma avaliação médica e das condições psiquiátricas associadas, uma vez que, ainda de acordo com os dados estatísticos levantados por Hermano Tavares, em 70% dos casos, além do jogo patológico existe outra condição psiquiátrica associada, como depressão, fobias, transtorno do pânico e dependência de algumas substâncias. Considerando apenas o álcool e outras drogas, a taxa é de 20% a 25%. De acordo com Tavares, se incluirmos a dependência do tabaco, o índice sobe para 70%. Caso sejam negligenciadas, essas condições psiquiátricas podem comprometer seriamente o tratamento, alerta o médico.

Não à toa, no duelo de argumentos contra e a favor à liberação dos jogos no Brasil, a ludopatia, claro, tornou-se ponto capital. O SUS, Sistema Único de Saúde, por exemplo, já enfrenta hoje muita dificuldade em cuidar do dependente químico. Logo, também não teria condições de cuidar das pessoas doentes em jogos.

Por isso, o parecer aprovado prevê que quem for explorar jogos de azar elabore um plano para evitar o vício. O cassino ou estabelecimento de bingo deverá adotar medidas para promover atitudes de jogo moderado, não compulsivo e responsável. Além disso, as casas terão que informar às autoridades a identidade de todo jogador que ganhar mais de R$ 10 mil de uma vez só e não poderão emprestar dinheiro para os apostadores.

Também será criado um cadastro nacional de ludopatas, que ficarão proibidos de entrar nestes estabelecimentos.

O assunto, inclusive, vai virar tema de novela. A força do querer, próxima trama global das 21 horas assinada por Glória Perez, vai contar a história de Silvana. Interpretada por Lilia Cabral, a personagem é viciada em jogos de azar.

Na história a ser contada daqui a alguns meses, Silvana aparecerá como uma mulher elegante e bem sucedida, já que ela será casada com Eurico (Humberto Martins), que por sua vez vai tentar fazer de tudo para que a sua mulher diminua as frequências nos jogos. A ideia da autora é mostrar como o vício em jogos de azar pode arruinar a vida de alguém – e mostrar que esse tema é também uma causa social.

 

Fonte: Agência EBC e Revista Espaço Aberto (USP)