‘Não há exemplo de que liberação é positiva’

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Publicamos aqui a resposta que o ministro do Desenvolvimento Social e Agrário Osmar Terra deu ao texto do médico psiquiatra  Luís Fernando Tófoli e do neurocientista Sidarta Ribeiro afirmando que a política sobre drogas estaria sendo ‘contaminada’ pela perspectiva do ministro, que também é médico.

Tófoli e Sidarta, então, publicaram uma tréplica explicando que a intenção deles “ao escrever o artigo Política de Drogas ou uma Droga de Política? –que originou a resposta do ministro– foi a de chamar a atenção para o fato de que, “no Brasil, há muitas visões, e que pessoas que buscam a solução para a grave questão do uso problemático de drogas têm percepções diversas que precisam ser respeitadas”.

O ministro, porém, retaliou com novo texto, onde aponta que eles “procuraram adoçar sua postura, colocando-se como abertos ao debate sem rótulos. Isso depois de me rotular como retrógrado, extremista e stalinista. Mas vamos supor que gostariam de fazer um debate “democrático, prudente e cientificamente embasado” como escreveram. Mesmo assim, isso não impede de melhorarmos a proposta de enfrentamento às drogas, já no Conad, e continuarmos debatendo”.

Na tréplica, intitulada Política de drogas e o risco da auto-ilusão, Tófoli e Sidarta assumem que fazem parte do “campo antiproibicionista”, e dizem entender que “a política atual, que proíbe algumas drogas e autoriza muitas outras sem respeitar qualquer parâmetro científico para fazer essa distinção”.

Osmar Terra reconhece que “se não a melhorarmos (a política atual de drogas), vamos continuar debatendo indefinidamente na vigência da proposta atual, que está há 20 anos em vigor, e que, além de inócua, não só contraria o bom senso, mas à opinião da maioria da população e dos seus representantes. População essa que sofre na própria pele o agravamento do problema – e não vê saída no modelo vigente”. Já quanto a parte científica “o discurso do texto pró-drogas é um, e a ação, outra. Os drs. Luís Fernando e Sidarta são ativistas da Plataforma Brasileira de Política de Drogas (PBPD), uma rede de ONGs com o propósito comum da liberação geral de drogas –curiosamente trabalhando, quase todas, com o mesmo financiamento internacional…”, acusa o ministro, numa referência a um tema que já tratamos nesta matéria.

Osmar Terra segue recordando que a PBPD lançou uma revista “científica” chamada “Platô“. Que, em seu número inaugural, publicou artigos das ONGs Abracannabis e a Associação Psicodélica do Brasil. “E tem um editorial que, entre outras coisas, afirma: “não alimentar ilusões sobre a neutralidade científica, como se evidências fossem capazes de indicar espontaneamente os caminhos a seguir…”.

“Os principais artigos são: “A fumaça do bom Direito: demandas pelo acesso legal à maconha na cidade do Rio de Janeiro”, “Redução de danos e substâncias psicodélicas em festas de música eletrônica” e o “Futuro da Dependência”, com críticas à visão científica, referendada pela imensa maioria dos pesquisadores e importantes publicações da área, como a revista Nature, que comprova que a dependência química é uma doença crônica, praticamente sem volta”, lembra o ministro.

“A autora refuta tal afirmação baseada em textos de filósofos e antropólogos, entre eles o francês Bruno Latour, que afirma: “Temos que rejeitar a natureza… rejeitar a crítica acadêmica convencional…não podemos argumentar baseados em verdades originais da natureza (ou do corpo natural)…” Deu para entender?! Enfim, essa é a ciência dos liberacionistas, retratada nas suas publicações”, afirma Terra.

Tófoli e Sidarta, em sua tréplica, insistem no discurso de que “somente uma regulamentação isonômica de todas as drogas pode colocar nossa política de saúde nos trilhos da ciência”, batendo na já conhecida tecla sobre os “potenciais terapêuticos da maconha e seus constituintes”.

Osmar Terra, então, vai derrubando estes e outros argumentos transformando seu texto numa verdadeira aula antidrogas. Confira:

Bastou criar um controle maior sobre o consumo de álcool em condutores de veículos para que as mortes por acidentes de trânsito caíssem. Se conseguirmos detectar as demais drogas nos motoristas ao volante, diminuirão muito mais os acidentes.

Quanto ao argumento de que a legalização das drogas reduziria a violência, gostaria de lembrar que tão grave quanto o contrabando de drogas ilícitas na fronteira brasileira é o contrabando do cigarro, uma droga legal, que é feito também pelo mesmo crime organizado que comanda a venda de drogas ilícitas.

Hoje, mais de 40% dos cigarros consumidos no Brasil são contrabandeados do Paraguai. Seu preço é menor, sua qualidade pior, mas dá muito lucro para quem faz a venda ilegal. Além disso, é importante citar que o cigarro legal arrecada em impostos só 25% do que gasta o sistema de saúde para tratar as doenças que causa. Não seria diferente com as demais drogas.

A experiência do mundo mostrou que os índices de violência e o aumento de consumo, que acompanha a epidemia de drogas, se reduzem com mais rigor no seu enfrentamento e não com a liberação.

Nova Iorque, nos anos 1990, era a capital mundial do crack, com centenas de cracolândias e um recorde de 2.245 homicídios/ano. Cerca de 4% da população era dependente da droga. Com o aumento do rigor na lei contra o tráfico e com a adoção da tolerância zero pelo então prefeito Rudolph Giuliani, houve uma redução substancial do consumo. Hoje são 0,4% de usuários e o número de homicídios vem caindo há 27 anos, até chegar aos 285 no ano de 2017: uma taxa, por população, 10 vezes menor!

Quanto à afirmação de que a maconha é boa porque tem propriedades medicinais, fico com a posição do maior pesquisador brasileiro sobre canabinóides (substâncias encontradas na maconha que atuam no cérebro), o dr. José Alexandre Crippa, da USP de Ribeirão Preto. Crippa afirma que os possíveis efeitos medicinais da droga – em casos específicos e raros de epilepsia, distúrbios psíquicos e neurológicos – são devidos a uma molécula determinada, o canabidiol, sem efeito viciante, que hoje já está sendo sintetizado e usado comercialmente.

Muito diferente de usar o canabidiol isolado para tratamentos é tentar passar a ideia de que o cigarro de maconha é medicinal. Não é! Pois nele existem 480 substâncias diferentes, na sua grande maioria causadoras de danos irreversíveis à saúde, tanto física quanto mental. Crippa alerta que existem 22 mil trabalhos científicos publicados sobre a maconha, catalogados no Pubmed, quase todos mostrando esses danos. Um dos maiores psiquiatras e pesquisadores brasileiros nessa área, titular de Psiquiatria da USP, Valentim Gentil Filho, afirma com todas as letras “a maconha é uma fábrica de esquizofrênicos”, e “se fosse para escolher uma única droga para ser banida, eu escolheria a maconha“.

Um dos maiores erros cometido pela turma do lobby pró-drogas é disseminar informações falsas sobre as drogas, principalmente nas redes, onde os mais jovens têm mais acesso. A campanha de que a maconha não faz mal, é remédio, é um exemplo disso. E, assim, vão induzindo os incautos a experimentar e a ficar dependentes, quando não com transtornos mentais definitivos.

Quanto à questão social, Nils Berjerot, um dos pais da psiquiatria sueca, uma das referências mundiais no estudo sobre as epidemias de drogas e autor do termo “Síndrome de Estocolmo”, explica: “Se as péssimas condições sociais afetam o consumo de drogas, é difícil explicar porque a ação epidêmica das drogas atinge oito vezes mais homens que mulheres. As mulheres vivem nas mesmas casas que os homens vivem e seus salários são, em geral, mais baixos“.

Ele também explica sobre a epidemia: “Historicamente, em qualquer lugar onde houve epidemia de consumo de drogas, o abuso massivo não pôde ser detido até que restrições foram impostas à venda da substância. Isso mostra o papel da acessibilidade da droga em manter a epidemia“.

Sobre a dependência química, Berjerot também afirma algo que qualquer usuário de drogas e seus familiares sabem, mas os liberacionistas não querem admitir: “Frequentemente o abuso inicial da droga é completamente incidental: curiosidade, desejo de pertencer a um grupo, ou necessidade medicamentosa. O incidente que leva o indivíduo a iniciar o uso não tem nada em haver com o que o leva a persistir no uso e tornar-se dependente“. E eu acrescento o uso continuado das drogas modifica fisicamente as conexões cerebrais, para sempre.

Diz mais Berjerot: “O dependente químico não somente danifica a si próprio, a seus amigos e parentes, ele causa danos a toda a comunidade“.

Repetimos aqui o que afirmamos no 1º texto de resposta aos drs. Luís Fernando e Sidarta: Não existe exemplo no mundo de que liberando drogas melhora a questão social, de saúde e de violência. Ao contrário, tudo piora.

Chegou a hora de mudar, com urgência, uma política incapaz de prevenir o martírio de dezenas de milhares de jovens e suas famílias. O que não nos impedirá de seguir debatendo, com todas as correntes filosóficas, essa questão.

 

Fonte: Poder 360