O paladar difere a concentração alcoólica?

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O consumo nocivo de bebidas alcoólicas está relacionado a diversas consequências negativas para a saúde, incluindo doenças e lesões físicas. De maneira geral, quanto maior o consumo, maior o risco de prejuízos à saúde. Quando o uso de álcool é pesado e regular (com média elevada de consumo), há maior risco para doenças crônicas, como alguns tipos de câncer; quando é irregular (como na forma do beber pesado episódico, definido pela OMS como a ingestão de 60 g ou mais de álcool – cerca de 5-6 doses – em uma única ocasião nos últimos 30 dias), o risco é maior para doenças agudas, como lesões e doença isquêmica do coração. Dada tal relação de risco, o consumidor deve estar bem informado sobre as quantidades de álcool (etanol puro) presentes em cada bebida.

Segundo diretrizes das Nações Unidas, o consumidor deve estar protegido de efeitos prejudiciais que o produto possa causar a sua saúde e segurança, com acesso a informações adequadas para tomar decisões esclarecidas sobre seus desejos e necessidades. Em geral, o consumidor tem duas opções para obter tais informações: o rótulo/embalagem do produto ou a experiência com a bebida, considerando o gosto e número de doses. No entanto, muitas situações não permitem o acesso à embalagem original, como, por exemplo o consumo de bebidas alcoólicas em restaurantes, bares, casa de amigos ou festas. Nesses casos o consumidor conta apenas com o paladar para perceber o quanto a bebida consumida é “forte” ou “fraca” em termos de concentração alcoólica.

Para bebidas destiladas a capacidade de discriminação é especialmente importante, pois contêm maiores concentrações alcoólicas (geralmente em torno de 40%) e proporcionam alta ingestão de álcool em pequenos volumes. Além disso, frequentemente são misturadas com outros ingredientes, o que pode disfarçar o gosto do álcool. Faltam dados sobre a capacidade em diferenciar bebidas com alto teor alcoólico pelo paladar (estudos anteriores provaram ser possível discriminar bebidas alcoólicas de placebos e bebidas com baixo teor alcoólico), sendo esse o primeiro estudo com esta finalidade que tenha utilizado testes internacionais padronizados pela ISO (International Standardization Organization).

Dessa forma, foram feitos 9 testes triangulares (total de 413 avaliações): 6 de mistura de vodca em suco de laranja, 2 de diferentes tipos de cerveja e 1 de vodca pura. Cada teste consistia na apresentação de três copos de 20 ml para degustação, sendo dois com a mesma concentração de álcool, e um com maior ou menor teor. O participante deveria indicar qual conteúdo era diferente dos demais e apontar se a concentração alcoólica era maior ou menor. Todos os participantes dos testes eram profissionais envolvidos na área de gastronomia com treinamento em análise sensorial, não houve restrição de tempo para respostas e água estava disponível para limpar o paladar.

As amostras disponibilizadas para os testes foram preparadas com vodca (devido à pequena presença de componentes com sabor) e misturadas seguindo critérios minuciosos, com o objetivo de atingir soluções com concentrações alcoólicas diferentes, porém sem diferenças no sabor – que poderia ser um fator de confusão caso responsável pela capacidade de diferenciação, em vez do teor alcoólico. Ajustes nesse sentido também foram feitos para temperatura e tamanho dos copos, além de protocolo para que o teste fosse duplo-cego (o assistente técnico que sabia das concentrações de cada bebida não entrou em contato com os participantes, tendo gerado códigos para identificar os recipientes).

Como principal desfecho, nota-se não ser possível a diferenciação de bebidas nem o discernimento entre maior ou menor concentração alcoólica para as bebidas mais fortes, com 40 a 50% do volume, tendo sido possível diferenciar bebidas na faixa de 30 a 40% de teor alcoólico. Outros estudos, apesar de limitações quanto às metodologias utilizadas, corroboram com este achado, também consistente com pesquisa anterior do mesmo grupo, em que o gosto de álcool nas bebidas só foi distinguido até certa concentração. Em conjunto com tais achados anteriores, os autores sugerem que a capacidade de detecção do álcool nas bebidas pelo paladar ocorre na faixa compreendida entre 2 a 35% do volume.

Além de conclusões sobre tal faixa intermediária de detecção e limite superior, são discutidas quais implicações do estudo teriam sobre os consumidores de álcool não registrado (correspondente a 30% do consumo mundial de álcool). Apesar do frequente contra-argumento de que consumidores de bebidas mais fortes tenderiam a controlar o número de doses segundo o efeito desejado, não há evidências que comprovem substancialmente tal hipótese e o resultado encontrado a respeito do paladar sugere que os consumidores de bebidas não registradas ingerem potencialmente mais álcool do que se tivessem consumindo bebidas regulamentadas. Ainda, esta hipótese é corroborada por dados de maior incidência de cirrose hepática observada em regiões com elevado consumo de álcool não registrado.

 

Fonte: Cisa