Como vencer uma guerra às drogas, ora pois!

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Décadas atrás, Estados Unidos e Portugal lutavam contra drogas ilícitas e tomaram atitudes diferentes.

O primeiro reprimiu, gastando bilhões de dólares encarcerando os usuários. O segundo executou um experimento: descriminalizou o uso de todas as drogas em 2001 e iniciou uma séria campanha para enfrentar o vício. Lá, o vício tem sido tratado mais como um desafio médico do que como um assunto de justiça criminal.

O resto é história.

Segundo especialistas, a política de drogas dos Estados Unidos falhou espetacularmente. No ano passado, o número de americanos mortos por overdose foi o mesmo que o número de americanos mortos nas guerras do Vietnã, do Afeganistão e do Iraque combinado — cerca de 64 mil vítimas fatais.

Ao acabar com as drogas, Portugal pode estar vencendo a guerra a elas.  Hoje, o Ministério de Saúde do país afirma que apenas 25 mil portugueses usam heroína, contra 100 mil na época em que essa política se iniciou.

O número de portugueses que morrem de overdose despencou em mais de 85%, antes de se elevar um pouco, no esteio da crise econômica europeia nos últimos anos. Ainda assim, a taxa de mortalidade por uso de drogas em Portugal é a mais baixa da Europa Ocidental — um décimo da taxa da Grã-Bretanha ou da Dinamarca — e cerca de 2% do último número registrado nos Estados Unidos.

A abordagem de Portugal não é nenhuma varinha mágica. O país mudou seu foco para a saúde sob a liderança do primeiro-ministro António Guterres, que agora é o secretário-geral da Organização das Nações Unidas. A nova abordagem foi uma aposta.

É muito importante sermos claros sobre o que Portugal fez e não fez. Primeiramente, não mudou as leis de tráfico de drogas: traficantes ainda vão para a prisão. E não legalizou o uso de drogas, mas tornou a compra ou a posse de pequenas quantidades (para até dez dias de uso) não um crime, mas um delito administrativo, como uma infração de trânsito. Os infratores são convocados para uma audiência na “Comissão para a Dissuasão da Toxicodependência” — um encontro informal numa mesa de reunião, com assistentes sociais que tentam evitar que um usuário casual se vicie.

A abordagem de saúde pública decorre de uma crescente visão comum mundial de que o vício é uma doença crônica, comparável ao diabetes, e requer cuidado médico em vez de punição.

A evidência é de que o uso de drogas, principalmente heroína, se estabilizou ou diminuiu desde que Portugal mudou sua abordagem. Nas pesquisas, a proporção de jovens com idades dentre 15 e 24 anos que afirmam ter usado drogas ilícitas no último mês caiu quase que pela metade desde a descriminalização.

Em 1999, Portugal tinha a mais alta taxa de contaminação de AIDS decorrente de uso de drogas na União Europeia; desde então, diagnósticos de HIV positivo atribuído a injeções despencaram em mais de 90%.

Outro fator a favor de Portugal: a economia cresceu e há uma robusta rede de segurança social, então, menos pessoas se automedicam com drogas.

Também é mais barato tratar as pessoas do que encarcerá-las. O Ministério da Saúde português gasta menos de US$ 10 por cidadão ao ano com essa política de drogas. Enquanto isso, os Estados Unidos têm gastado mais de US$ 10 mil por residência ao longo de décadas em uma política de drogas falida, que resulta em mais de mil mortes a cada semana.

A lição que Portugal ensina ao mundo é que, ao mesmo tempo em que não podemos erradicar a heroína, é possível salvar vidas de usuários de drogas se estivermos dispostos a tratá-los não como criminosos, mas como pessoas doentes – seres humanos que sofrem e precisam de mãos que os ajudem, não de algemas.

 

Fonte: Nicholas Kristof via The New York Times