Drogas e racismo, a história de uma guerra

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No dia 18 de Junho de 1971 o então presidente dos Estados Unidos, Richard Nixon, fazia um discurso histórico e declarava: – As drogas são nosso inimigo público número um.

Tais afirmações viriam acompanhadas de severas medidas contra o porte, o consumo e a venda de diversas substâncias psicoativas naturais e sintéticas – era o início da política de “guerra às drogas”.

O modelo imposto por Nixon foi rapidamente adotado ao redor do mundo. Em questão de pouco tempo, vendedores de plantas e compostos químicos começaram a ser tratados como terroristas em ameaça à segurança e à saúde pública. Juntamente com as substâncias, foram também enquadrados seus portadores e consumidores, aumentando exponencialmente a lotação dos presídios: só nos Estados Unidos, a população carcerária aumentaria mais de 140% só nos primeiros 10 anos de aplicação da política.

44 anos depois, a guerra às drogas continua de pé e, como toda batalha, tem deixado milhões de feridos que permanecem impotentes diante do fogo cruzado. Em especial a população negra.

A história de como uma guerra, que deveria ter como alvo narcóticos, passou a ter como alvo pessoas, por causa da tonalidade de sua pele, pode ser traçada desde 1986. Naquele ano, o governo norte-americano passou uma lei conhecida como “100 para 1”, dando penas 100 vezes maiores para traficantes de crack em relação à cocaína.

De acordo com a legislação, a venda de 5 gramas de crack resultaria em um encarceramento de no mínimo 5 anos – a mesma pena era aplicada ao tráfico de cocaína somente a partir dos 500 gramas. A medida foi prontamente criticada por intelectuais e militantes de movimentos negros, que a acusaram de legislar contra negros e pobres, os principais usuários e vendedores de crack do país.

Dito e feito. Poucos anos após a lei dos 100 para 1 entrar em vigor, as prisões começaram a ficar racialmente desproporcionais, batendo recordes em alguns estados, onde os negros hoje já correspondem a 90% da população carcerária.

Um estudo do American Civil Liberties Union, publicado em junho de 2013, demonstrou que, nos Estados Unidos, afrodescendentes são 3,73 vezes mais suscetíveis do que brancos a serem presos acusados de portarem maconha. Mas seria a maconha um produto exclusivo da cultura negra? Não é o que demonstra o estudo – o consumo é praticamente igual entre as duas etnias.

Apesar disso, a desigualdade racial nas prisões só vem aumentando: enquanto as detenções de brancos por algum crime relacionado à maconha têm se mantido estáveis em torno das 192 por 100 mil habitantes, o número de negros detidos passou de 537 por 100 mil em 2001 para 716 para cada 100 mil em 2010, um aumento de 33%. Em alguns estados, como Minnesota, a disparidade aumentou mais de 200% no período.

Tais números corroboram com os últimos recordes no sistema prisional que o país vem batendo nos últimos anos: o encarceramento norte-americano já é o maior da história da humanidade, ultrapassando até mesmo os gulags da antiga União Soviética: enquanto os gulags prenderam em torno de 18 milhões de pessoas, estima-se que o sistema prisional norte-americano já tenha encarcerado mais de 20 milhões de pessoas. Os Estados Unidos já tem mais negros presos do que escravos no século XIX.

Assim como nos Estados Unidos, as medidas de combate ao tráfico aqui no Brasil têm criado uma situação preocupante. E novamente quem sofre mais é a população negra.

O sistema prisional brasileiro já encarcera mais de 500 mil pessoas – somos a quarta maior população prisional do mundo –, tendo registrado sua mais rápida expansão no período de 1992 a 2013, quando houve um aumento de 403% no número de pessoas presos no país.

Um raio-x mostra alguns detalhes que, proporcionalmente, podem ser comparados com os números registrados na terra do Tio Sam: 26% dos detidos no Brasil cumprem pena por algum crime relacionado a drogas (45% das mulheres e 24% dos homens); é o crime individual mais comum entre os presos. Analisando outros critérios, as semelhanças com o caso dos Estados Unidos persistem: negros e pardos correspondem a pouco mais de 60% dos presos.

Outros dados ainda mostram números, no mínimo, alarmantes: enquanto somente 10% dos homicídios são resolvidos no país, 42% da população carcerária responde por crimes não violentos, um mudança de foco da polícia muito similar a experimentada nos Estados Unidos.

Saindo dos presídios, o sistema carcerário continua contribuindo para intensificar a desigualdade racial pelo país, mesmo entre as pessoas que nunca estiveram atrás das grades.

Com um gasto anual estimado em R$41.666, cada um dos 146 mil presos por crimes relacionados ao uso e comércio de drogas somam um déficit anual de mais de R$6 bilhões – bancado com o dinheiro retirado da população através de tributos. E essa cifra é outro castigo imposto aos negros de todo o país – já que o sistema tributário brasileiro pune desproporcionalmente a população de baixa renda no país, onde está inserida a maioria da parcela negra do país.

Nesse sentido, a guerra às drogas em sua totalidade, das investigações até as efetivas prisões vem contribuindo para aumentar a desigualdade racial de forma direta e indireta.

 

Fonte: Pragmatismo Político