“Eu perdi para a droga, destruí minha família”

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Um caso inusitado chamou a atenção da Polícia Militar em Sorocaba (SP). No final do mês de abril deste ano, um homem entrou no prédio da 5ª Cia da Polícia Militar, se apresentou como usuário de crack e, cansado de sustentar o vício, pediu para ser preso. “Nunca vi ninguém tão desesperado na vida. Ele me disse ‘Quero ser preso, porque não tenho outra saída’. Comentou que talvez houvesse um mandado de prisão contra ele por não pagar pensão alimentícia”, conta o Cabo Antônio Eduardo Campos, que atendeu o homem.

O policial checou a ficha criminal do rapaz, que estava limpa, e informou que não poderia prendê-lo. Diante da situação, o homem ameaçou tomar medidas drásticas. “Ele disse que iria sair dali e cometer algum crime para poder ser preso”, conta o Cabo Campos.

Foi aí que o policial resolveu tentar ajudá-lo de alguma forma. Durante mais de três horas, ele ouviu toda a história do rapaz, desde a infância e adolescência, quando ele teve o primeiro contato com as drogas, até aquela manhã, quando se deu conta de que precisava de ajuda. O homem em questão é Rafael Antônio Mendes Gama, de 32 anos.

Em entrevista ao site de notícias G1, Rafael conta que começou a usar drogas quando ainda era adolescente. Nascido em uma família da classe média de Sorocaba, o rapaz diz que começou a fumar maconha aos 14 anos. Em seguida, veio a cocaína e, por fim, o crack.

Por causa das drogas, ele passava meses nas ruas antes de voltar para a casa da mãe, no Jardim Guadalajara, só para furtar mais objetos e trocá-los por drogas. Viveu na “Cracolândia” da capital paulista e foi internado mais de 20 vezes em clínicas de reabilitação, mas nunca ficou mais de dois meses sem voltar a usar crack.

“Já fiz todo tipo de tratamento, tomei vários medicamentos, mas nada me trazia conforto. Eu perdi para a droga, destruí minha família. Cheguei a um ponto em que eu não queria mais voltar para casa, para não torturá-los. Eu consumia drogas contra a minha vontade. Era uma força maior que me levava a comprar mais”, conta Rafael.

Na última segunda-feira (27), ele comenta que saiu de casa mais uma vez para alimentar o vício. “Na terça à noite, estava em um barraco usando drogas com várias pessoas e acabei cochilando. Quando acordei, estava todo ensanguentado e não sabia o que tinha acontecido. Fui até um posto de saúde, lavei o rosto e pensei: ‘O que eu estou fazendo com a minha vida?’. E percebi que eu precisava de ajuda. Fui até o posto policial e falei que queria ser preso. O Cabo Campos foi um anjo que Deus colocou na minha vida. Procurei a polícia achando que seria tratado de outra forma, mas ele me acolheu”, relata Rafael.

Após ouvir todo o relato do rapaz, o policial deu conselhos e resolveu ajudá-lo de uma forma que a família ainda não havia tentado, mas que já foi a cura para vários usuários de drogas: ligou para a mãe de Rafael e sugeriu que ela o levasse a um centro religioso. O que ouviu e viveu no local fez Rafael despertar para a realidade. “Eu revi toda a minha vida, desde os 13 anos, e vi onde eu chegaria se continuasse usando drogas. Eu iria me acabar aos poucos. Saí de lá outro. Eu nem me lembrava mais de quem eu era. Agora, me sinto o Rafael de quando tinha 13 anos”, conta.

O rapaz afirma que o vício é desesperador, e relata momentos terríveis que viveu por causa da droga. “O que mais me chocou foi uma cena que eu presenciei na cracolândia de São Paulo. Tinha uma menina de 12 anos do meu lado que estava com umas pedras de crack para vender. Só que ela foi consumindo, e, quando a pessoa que tinha deixado as drogas com ela chegou, a obrigou a engolir 60 pedras com refrigerante. Depois, atirou na cabeça dela e disse aos outros viciados que ela estava com 60 pedras no estômago. Abriram ela igual porco”, relata Rafael.

Por conta de casos como esse e da falta de controle sobre a própria vida, ele perdeu a vontade de viver. “Sempre pedi muito a morte, desejei muito morrer. Cansa, é humilhante essa dependência. A vida é tão simples de se viver e eu compliquei a minha”, lamenta.

Rafael afirma que nunca escondeu de ninguém que era dependente químico, mas isso não impediu que a convivência com os filhos e o relacionamento com a ex-mulher fossem conturbados por causa do vício. Foram as drogas, inclusive, que o levaram a fazer com a noiva o que toda mulher mais teme no dia do casamento: ser abandonada no altar.

“Eu fiquei até 5h da manhã do sábado arrumando as coisas na chácara onde seria a festa. Quando estava indo embora, encontrei um amigo que me pediu para levá-lo comprar drogas. Aí, acabei comprando e usando também. Fui acordar só no domingo”, conta o homem.

Tempos depois, a noiva acabou perdoando o deslize. Os dois se casaram e tiveram três filhos, que sabem e entendem o problema do pai com as drogas. O vício acabou separando o casal e, há dois anos, ele teve mais um filho com outra mulher. “Com esse, eu não tenho contato. Ele nem sabe que eu sou pai dele e não posso entrar na vida dele do jeito que estou. Preciso estar curado”, diz Rafael.

Além do bebê, ele tem mais um filho com quem não convive – o mais velho dos cinco. “Ele tem 13 anos e mora em Natal [no Rio Grande do Norte], com a mãe. Eu e ela ficamos apenas uma vez, e ela acabou engravidando”, explica.

Motivado pelos filhos, Rafael quer deixar de vez as drogas e, apesar de ter ido ao centro religioso indicado pelo policial apenas uma vez, ele acredita que encontrou a cura. “Vai ser difícil. É um dia depois do outro, mas eu vou conseguir. Meu sonho não é ser rico, ser milionário. É levar uma vida normal, em paz, com os meus filhos e a minha família. O começo não posso mudar, mas o fim da minha história vai ser diferente”, promete o rapaz.

 

Fonte: G1