A religiosidade, a espiritualidade e o consumo de drogas

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A religiosidade e a espiritualidade vêm sendo claramente identificadas como fatores protetores ao consumo de drogas em diversos níveis.

A presente revisão da literatura pretendeu descrever os principais estudos científicos que tratam do papel da religiosidade no tratamento e na prevenção do consumo de drogas utilizando como método as bases de dados PubMed e Scielo, entre 1976 e 2006, tratando de questões relativas à religiosidade, à espiritualidade e ao consumo de drogas.

Estudos têm apontado para evidência de que as pessoas que frequentam regularmente um culto religioso, ou que dão relevante importância à sua crença religiosa, ou ainda que praticam, no cotidiano, as propostas da religião professada, apresentam menores índices de consumo de drogas lícitas e ilícitas. Além disso, os dependentes de drogas apresentam melhores índices de recuperação quando seu tratamento é permeado por uma abordagem espiritual, de qualquer origem, quando comparados a dependentes que são tratados exclusivamente por meio médico.

Devido ao forte papel de assistência social das religiões no Brasil, a exploração deste tema no contexto brasileiro seria de grande relevância para a saúde pública.

Os termos “religiosidade” e “espiritualidade” costumam ser utilizados como sinônimos nos estudos empíricos. No entanto, existe um infindável debate epistemológico da utilização desses conceitos. Para padronizar a informação, no presente trabalho utilizou-se a conceituação de Sullivan para a espiritualidade e a de Miller para a religiosidade. De acordo com o primeiro, a espiritualidade é uma característica única e individual que pode ou não incluir a crença em um “Deus”, sendo aquela responsável pela ligação do “eu” com o Universo e com os outros, a qual também está além da religiosidade e da religião. Já a religiosidade representa a crença e a prática dos fundamentos propostos por uma religião.

No que tange ao consumo das drogas psicotrópicas, a religião vem sendo claramente identificada como um fator protetor ao uso de drogas, tanto no Brasil quanto no exterior. Entre os estudos que se referem à relação existente entre a religião e as drogas, um dos mais antigos foi realizado na Irlanda e teve como amostra 458 estudantes universitários daquele país. Notou-se maior consumo de álcool entre os estudantes com menor crença em Deus e menor frequência aos cultos religiosos.

A devoção pessoal, expressa essencialmente pelas orações dirigidas a Deus, mostrou-se inversamente associada ao abuso e à dependência das drogas psicotrópicas, com a exceção do tabaco, entre os adolescentes entrevistados pelo Nacional Comorbidity Survey nos EUA.

No Brasil, não há muitos estudos nesta área, no entanto, recentemente, foi publicado um estudo qualitativo que corrobora os achados internacionais quantitativos, evidenciando que a maior diferença entre os adolescentes usuários e os não usuários de drogas psicotrópicas, de classe social baixa, era a sua religiosidade e a da sua família. Nesse estudo, os autores observaram que 81% dos não usuários praticavam a religião professada por vontade própria e admiração, mas apenas 13% dos usuá­rios faziam o mesmo. Nesse segundo grupo, porém, a prática religiosa estava diretamente relacionada à busca da reabilitação diante do consumo de drogas, mas essa só começou após o início do consumo abusivo destas.

Em linhas gerais, os diversos estudos colocam os católicos como o grupo religioso com o maior índice de consumo de álcool, com taxas muito parecidas às das pessoas sem religião. Esses dados podem estar deturpados pela forma como o entrevistado avalia a religião que professa. No Brasil, apesar de a religião oficial ser a católica, o indivíduo não é obrigado a realizar as práticas católicas, no entanto, autodenomina-se católico, mesmo quando não pertence a nenhum grupo religioso ou é simpatizante de outros.

Cada religião tem a sua opinião mais ou menos permissiva quanto ao consumo de drogas, embora diferindo no que diz respeito à questão do álcool e do tabaco. Por esse motivo, o papel preventivo da religião diante do consumo de drogas está mais associado às religiões que, como as protestantes, oferecem uma visão menos permissiva dessa questão.

Dentro da linha qualitativa, um recente estudo brasileiro tentou esclarecer os mecanismos da intervenção religiosa proposto pelas três maiores religiões brasileiras: o catolicismo, o protestantismo e o espiritismo. Foram entrevistados em profundidade 90 indivíduos que haviam se submetido a intervenções religiosas (não-médicas) para curar a sua dependência de drogas. As conclusões apontaram diferenças no suporte ao dependente de drogas oferecido por cada grupo. Os evangélicos foram os que mais utilizaram o recurso religioso como forma exclusiva de tratamento, apresentando forte repulsa ao papel do médico e a qualquer tipo de tratamento farmacológico. Também foram eles os que descreveram a maior intensidade na crise vivida, relacionada especialmente às drogas ilícitas. Os espíritas foram os que buscaram mais apoio terapêutico em relação à dependência de drogas lícitas em simultâneo com um tratamento convencional, o qual ocorria e podia ser realizado devido ao maior poder aquisitivo desse grupo. O que há de comum em todos os tratamentos é a importância dada à oração, que é a conversa com Deus, como o método para controlar a fissura pela droga, que atua como forte ansiolítico. Para os evangélicos e os católicos, a confissão e o perdão, respectivamente, pela conversão (fé) ou pelas penitências, exercem forte apelo à reestruturação da vida e ao aumento da autoestima.

O que manteve os participantes deste estudo na instituição religiosa e na abstinência do consumo de drogas foi a admiração pelo bom acolhimento recebido, a pressão positiva do grupo e a oferta de uma reestruturação da vida com o apoio incondicional dos líderes religiosos. Além disso, a religião lhes oferece condições de refazer os seus vínculos de amizade, por meio da realização de diversas atividades ocupacionais voluntárias, facilitando assim o seu afastamento da droga e dos seus companheiros vinculados a ela.

Diante dos resultados observados nos estudos mencionados neste artigo, nota-se que, em especial, a frequência constante a uma igreja, a prática dos conceitos propostos por uma religião e a importância dada à religião e à educação religiosa na infância são possíveis fatores protetores do consumo de drogas. Verifica-se também uma possível influência positiva da religiosidade para a recuperação dos dependentes de drogas. Nesse quesito, a maior parte dos estudos foca tratamentos baseados nos 12 passos dos AA, estando estes alicerçados na espiritualidade, mas não pautados em uma religiosidade específica. No que diz respeito aos “tratamentos religiosos” para a dependência de drogas, poucos estudos científicos têm avaliado esse tipo de intervenção, mesmo sabendo-se que, no Brasil, a cada dia proliferam as igrejas protestantes que se oferecem para curar a dependência de drogas dos seus novos adeptos. A quase totalidade dos trabalhos científicos indexados tem caráter quantitativo e transversal, não enfocando os mecanismos ou as variáveis de causalidade. Dessa maneira, um amplo campo de pesquisa mantém-se aberto nessa área de conhecimento, exigindo mais estudos que permitam a compreensão dos processos da ação da fé religiosa na prevenção primária do consumo de drogas e, especialmente, no tratamento da dependência.

 

 

Autoras:

Zila van der Meer Sanchez, Doutora em Ciências pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Pesquisadora do Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas (Cebrid).

Solange Aparecida Nappo, Professora adjunta da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Pesquisadora do Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas (Cebrid).

 

Para ler este interessante estudo na íntegra, clique aqui

 

Fonte: Saúde Visual

1 comentário


  1. Olá tudo bem? Estava lendo alguns posts do seu site e achei eles muito bons. Parabéns!

    Pensei que nós poderíamos conversar e talvez realizar algumas parcerias para internos em denpendecia quimica.

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