“Minha missão é simplesmente ajudar”

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Dirigido por Sidney Lumet e estrelado por Al Pacino Serpico é um filme policial estadunidense de 1973. Baseado no livro homônimo de Peter Maas, conta a história verídica de um policial de Nova Iorque, Frank Serpico, que luta contra a corrupção policial e acaba traído por seus colegas, escapando por pouco da morte.

Agora, chegou-nos mais uma história verídica, também envolvendo um Serpico que escapou da morte: Alessandro Serpico, 44 anos, jornalista e empresário, nos escreveu um emocionante depoimento, que ele mesmo chama de “minha longa história de amor e ódio com as drogas e o inferno da dependência química. Já se vão infindáveis 25 anos desde que experimentei, e me apaixonei por ela, cocaína pela primeira vez”.

Acompanhem o interessante relato de Alessandro:

“Nasci em uma família de classe média/alta, somos em 3 irmãos e eu sou o do meio.

Nunca nos faltou nada… . Como nossos pais sempre fizeram e ainda fazem questão de enfatizar a cada questionamento da nossa parte ou simplesmente como uma espécie de cobrança mórbida. Tivemos acesso à educação de qualidade até a conclusão do nível superior, passeios, viagens todos os finais de semana, cada um teve seu carro Zero km ao completar 18 anos, etc.

Realmente tivemos tudo isso e, portanto, representamos uma parcela muito pequena da nossa sociedade, mas hoje, depois de quase ter cometido suicídio por muitas vezes e milagrosamente sobrevivido a outras tantas overdoses, entendo que faltou simplesmente o mais importante/básico para um ser humano: Amor e diálogo ao menos dentro da própria casa.

A vida dos meus pais sempre foi de muito trabalho e no entendimento deles isso era o mais importante e a principal missão deles. Eles continuam trabalhando até hoje, e muito, pois tudo que fazem é para os filhos!

Sempre fui um menino muito tímido e com inúmeros problemas de aceitação comigo mesmo. Basicamente, sempre me achava inferior aos demais e, portanto, incapaz de concorrer em igualdade de condições.

E isso já começava dentro da minha própria casa, pois meu irmão mais velho, 2 anos de diferença, com o qual eu convivi diariamente pois estudamos nos mesmos colégios praticamente até o término do ensino médio, sempre foi um cara descolado, bonitão, e ele realmente o é, olho azul da cor do mar e do céu enquanto eu usava um fundo de garrafa com 10° de miopia e astigmatismo, fazia sucesso em todos os lugares por onde passávamos e eu sempre em segundo plano quando muito…

Mas isso tudo acabou, como num passe de mágica ou até mesmo um milagre, quando dei meu primeiro ‘tiro de pó’. Nesse dia eu avisei meus pais que iria chegar em casa um pouco mais tarde da faculdade e fui informado que uma grande surpresa me aguardava… Era um carro Zero Km!

Até então, eu não fumava cigarro nem muito menos bebia com frequência. Era uma cervejinha só pra não ser o careta ou o diferente da turma.

Eu pegava carona pra faculdade com um vizinho e nesse dia ele pediu para eu subir, pois ainda não estava pronto. Na verdade ele estava se aprontando com um prato cheio de um pó branco e algumas fileiras já prontas que para mim era algo totalmente novo em que eu não tinha o menor interesse. Lembro-me disso com exatidão de detalhes… Estávamos em 1999, mas parece que estou naquela cena agora mesmo, tamanha a importância que aquele momento veio a exercer sobre a minha vida desde então…

Eu era um cara determinado e com muita facilidade para realizar transações comerciais, acho que um dom ou herança dos meus antepassados que sempre foram comerciantes. Então, aos 18 anos, eu já trabalhava e ganhava um bom dinheiro comprando e vendendo coisas por conta própria e isso era notável.

Desde então, foram perdas em cima de perdas, 2 casamentos, 2 filhos que muitas vezes eu deixava de estar com eles ou mesmo simplesmente esquecia da existência dos mesmos, brigas familiares, inúmeras oportunidades profissionais desperdiçadas, e eu nunca mais consegui me livrar do vício da cocaína e do álcool.

Os últimos 4 ou 5 anos foram de uso praticamente diário ou enquanto eu tivesse forças ou dinheiro pra comprar e usar mais e mais…

Há uns dez anos aproximadamente eu comecei a perceber que não poderia mais continuar nesse vício e então já tentei de tudo o possível e imaginário nesse sentido, tratamentos, ajuda espiritual, uso de médica medicamentos controlados, mas nada funcionava por mais de algumas semanas…

E a história se repete novamente como aquele passe de mágica ou milagre que “resolveram” todos os meus problemas quando eu conheci o pó, eu acordei no dia 15/03/14, totalmente drogado e prestes a mais uma overdose ou sei lá o que, tive apenas uma recaída “consciente” no dia 26/03/14 e desde então nunca mais ingeri absolutamente nada que pudesse alterar meu estado de consciência e sobriedade. É um mistério ou um milagre como disse, mas acho que isso só vou poder “afirmar” ou explicar primeiramente para mim mesmo daqui a algum tempo e vai depender do que acontecer daqui para frente…

Mas uma coisa eu afirmo: A cada dia que passa eu me sinto mais forte e determinado a continuar abstêmio e, se Deus quiser, poder usar a minha história em prol de outros dependentes químicos ou de qualquer outra pessoa que venha a se interessar por ela, e não me incomoda nem um pouco revelar a minha identidade ou a minha imagem se isso se fizer necessário.

A minha missão é simplesmente ajudar.

Muito obrigado e um forte abraço!”

Junto com seu belo manifesto, Alessandro enviou a fotomontagem que ilustra este artigo. Ela foi feita pela filha dele, de 13 anos, ilustrando momentos bem distintos da vida de seu pai, tipo ‘antes e depois’ das drogas. Do lado esquerdo drogado, em 2012, e do outro lado em dezembro de 2014 – portanto, “há 9 meses em processo de recuperação e em paz!”, escreveu ele.

Alessandro Serpico, 44 anos, jornalista, empresário e, principalmente, um sobrevivente.