“Mexer com o lúdico das crianças já é demais”

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mostramos nesta matéria que a publicidade usa e abusa de táticas cada vez mais desenvolvidas para captar dinheiro, custe o que custar.

No caso das bebidas, a Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) observa que uma proibição abrangente do marketing do álcool é provavelmente a única maneira de eliminar o risco de exposição para aqueles que mais precisam de proteção, como os jovens e outros grupos vulneráveis.

Pesquisas recentes sobre o consumo de bebidas alcoólicas no Brasil têm demonstrado que o aumento do uso entre jovens está crescendo acima da média de outras faixas etárias. Em números absolutos, 57% da população consome álcool, sendo que 78% dos jovens bebem. Destes, 19% são dependentes. No país, a lei 9294 de 15/07/96 restringe o horário de veiculação de propagandas de bebidas alcoólicas. Só podem ser exibidas de 22 às seis da manhã. Esta lei também diz que não pode haver associação dos etílicos com temas ligados ao sexo, temas ligados ao esporte e/ou que induzam a uma ideia de bem estar e saúde.

Ano passado, um estudo realizado pela Associação de Cervejarias da Alemanha revelou que o consumo de álcool no país deixou de ser moda, e que a saúde é cada dia mais importante nos hábitos da população germânica. Segundo dados levantados pela International Wine & Spirit Research (IWSR), o consumo mundial de cerveja caiu 1,8% de 2015 para 2016. De acordo com uma reportagem da revista The Economist, este recuo é atribuído quase que integralmente ao declínio de três dos cinco maiores mercados do mundo: Brasil, Rússia e China. Em nosso país, no segundo trimestre de 2017, a Ambev, que domina boa parte do mercado de bebidas no país, diminuiu em 1,3% as vendas em volume de cerveja nos meses de abril a junho ante igual período de 2016.

Não à toa, a dona das marcas de cerveja Skol, Antarctica, Brahma e Budweiser lançou recentemente no mercado a campanha “Papo em Família”, que consiste em um material (cartilha, vídeo, tirinhas) para falar sobre a idade certa para o consumo de bebidas alcoólicas. Com um detalhe: usando a famosa Turma da Mônica.

Segundo a psiquiatra Ana Cecília Marques, presidente da ABEAD (Associação Brasileira de Estudos do Álcool e outras Drogas), é inadmissível ter o Cebolinha, um dos personagens principais das histórias infantis, aprendendo sobre a hora certa de ingerir bebidas alcoólicas, tratando a cerveja como se fosse leite. “O Cebolinha faz parte do imaginário coletivo brasileiro, e vê-lo convivendo com a cerveja, até hoje considerada por muitos uma bebida mais fraca, é uma péssima influência, principalmente por passar a ideia que ela é quase como se fosse água para matar a sede, o que sem dúvida é influência negativa”, afirmou Ana Cecília.

A peça ainda retrata os parentes do Cebolinha na trama, colocando na figura do pai o papel de definitivamente inserir a cerveja na mesa da família brasileira, justamente em casa, local onde deveria prevalecer a prevenção, principalmente ao lidar com jovens. “Não é de hoje que a indústria do álcool traça estratégias para garantir a clientela das novas gerações, mas mexer com o lúdico das crianças já é demais”, comentou a psiquiatra.

A Ambev alega que o material tem caráter educativo com o objetivo de auxiliar pais e educadores a puxarem o assunto com filhos e alunos. De acordo com uma pesquisa da empresa, quase um terço dos pais brasileiros não conversam sobre o assunto porque não sabem como começar. Para que o tema não vire tabu, a empresa, então, desenvolveu o programa “Papo em Família” para ajudar pais e educadores a conversarem sobre o consumo indevido de bebidas alcoólicas.

Mas, para a presidente da ABEAD, não é bem assim: Além da tão usada mensagem que coloca “a bebida alcoólica como um produto qualquer”, depois daquela que insiste que “é só beber com moderação”, a campanha reforça uma nova vertente ao dizer que “o produto pode ser um hábito transgeracional, parte da cultura familiar”, alerta Ana Cecília.

Ou seja, daqui a algum tempo, a bebida poderá se transformar em um valor familiar, indo mais além da família e atingindo seu entorno, pois lá também estão os amigos do Cebolinha. “Será que agora só nos resta esperar que por meio de suas propagandas inescrupulosas eles transformem a Mônica e suas amiguinhas em super-mulheres, sensuais e poderosas, fantasiando que a bebida alcoólica é um produto que tem esse poder, e rapidamente nossas adolescentes irão bater todos os recordes do abuso e da dependência?”, indaga a presidente da ABEAD.

“Onde estão os órgãos que controlam as propagandas? E diante de um crime tão contundente, vamos indiciar a indústria de bebidas alcoólicas ou o pai e a mãe do Cebolinha?”, conclui Ana Cecília.

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Fonte: UNIAD – Unidade de Pesquisa em álcool e Drogas