A verdadeira ação da maconha sobre a saúde

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Maconha. Marijuana. Erva. Você pode escolher como quer chamar a droga ilícita mais popular do mundo. Tão popular, na verdade, que não falta quem apoie a sua legalização, tanto para fins medicinais quanto recreativos. Mas o que ela realmente faz conosco?

Veja um apanhado dos seus efeitos sobre a saúde e as preocupações potenciais sobre o seu uso.

Antes de começar, devemos notar que muito mais pesquisas precisam ser feitas nesta área. Embora a maconha tenha sido usada por séculos como um medicamento e como inebriante (é até mesmo mencionada no Antigo Testamento várias vezes como “kaneh-bosem”), nós não sabemos muito sobre seu efeitos na saúde. Isso é porque não existem muitos estudos controlados a respeito dela, devido à forma como a maconha é classificada por governos do mundo todo.

A Administração de Drogas e Alimentos (FDA, na sigla em inglês) estadunidense classifica a maconha como uma droga de Classe I, a mais perigosa de todas as classes de drogas, com a definição de “nenhum uso médico atualmente aceito e um elevado potencial para o abuso”. (Fato curioso: heroína, ecstasy e LSD também são drogas Classe I, mas a cocaína e metanfetamina são consideradas menos perigosas, entrando na Classe II.)

Como tal, para fazer pesquisas clínicas com a maconha, nos EUA é necessária uma licença da Divisão Estadual de Narcóticos e da aprovação do estudo pela FDA. Além disso, para obter a matéria-prima, é necessário passar pelo Instituto Nacional de Abuso de Drogas. Caso contrário, uma vez que é ilegal a nível nacional ter maconha (mesmo em estados que legalizaram a maconha), os cientistas que trabalham em hospitais, faculdades ou outras instituições que recebem financiamento federal correm o risco de perder seus fundos para esta pesquisa.

“Não é uma novidade que a maconha tenha poderes medicinais, mas todo embargo que foi feito sobre a ciência gerou uma represa, em escala mundial, que está vazando por todos os lados”, explica o neurocientista da Universidade de Brasília (UnB) Renato Malcher.

Mesmo com tais restrições, há quem consiga enfrentá-las para que saibamos o que acontece conosco ao consumir maconha. A cannabis contém pelo menos 60 tipos de canabinóides, compostos químicos que agem sobre os receptores em todo o nosso cérebro. O THC, ou tetrahidrocanabinol, é o produto químico responsável pela maior parte dos efeitos da erva, incluindo a euforia intensa. Ele se assemelha a outro canabinóide produzido naturalmente em nosso cérebro, a anandamida, que regula o nosso humor, sono, memória e apetite.

Essencialmente, o efeito dos canabinóides em nosso cérebro é manter nossos neurônios disparando, ampliando nossos pensamentos e percepção e nos mantendo fixos neles (até que outro pensamento nos leve a uma tangente diferente). É por isso que quando você está chapado não é uma boa hora para dirigir, estudar para um teste ou praticar esportes que exigem coordenação, como o tênis. Como o álcool, a cafeína e o açúcar, canabinóides também afetam os níveis de dopamina no nosso cérebro, muitas vezes resultando em uma sensação de relaxamento e euforia.

Há, ainda, outras maneiras de como maconha interage com os nossos cérebros, por exemplo, prejudicando nossa capacidade de formar novas memórias e causando a clássica “larica” – a fome avassaladora que vem depois de um “baseado”.

Os efeitos dependem da dose utilizada, bem como de quão potente é a preparação (a maconha comum contém de 2 a 5% de THC, enquanto a ganja pode conter até 15% de THC e o óleo de haxixe entre 15 e 60% de THC). Em altas doses – e se você não tomar cuidados ao consumi-la por via oral, como em bolos ou no brigadeiro -, a maconha pode produzir estados alucinatórios assustadores.

Tal como acontece com outras drogas, os efeitos da maconha variam de acordo com o indivíduo. Nem todas as pessoas podem achar a experiência agradável ou relaxante; para aqueles que têm ansiedade ou são propensos a ataques de pânico, a maconha poderia agravar seus sintomas ao invés de trazer uma sensação de calma.

Os efeitos de curto prazo da maconha são geralmente sentidos dentro de alguns minutos. O pico ocorre em 30 minutos e se desgasta após cerca de duas ou três horas. A grande questão é: o que acontece se usarmos a maconha com mais regularidade, ou se fomos usuários ocasionais, mas em grandes quantidades? Existem mudanças permanentes de saúde cognitiva? Será que todos nós nos transformaríamos no Dude, de “O Grande Lebowski”?

Mais uma vez, nós não temos muitos estudos científicos rigorosos sobre isso, muito menos muitos estudos longitudinais. Em 2012, no entanto, foi feita uma revisão de pesquisas disponíveis, publicada no “Journal of Addiction Medicine”, que conclui que as deficiências imediatas sobre a memória e a concentração, pelo menos, não são provavelmente permanentes.

A maconha prejudica a atenção e concentração dos usuários leves, mas não parece afetar os usuários regulares ou pesados seis horas após fumá-la ou ingeri-la. No longo prazo, os pesquisadores descobriram que, depois de 3 semanas ou mais desde a última “dose”, a atenção e concentração voltava ao normal. “Em cinco dos sete estudos, nenhuma deficiência de atenção ou concentração foi encontrada em indivíduos que tinham permanecido abstinentes de 28 dias a um ano”, garante os autores da revisão de bibliografia. Outros dois estudos encontraram diferenças na atenção e concentração entre não usuários e usuários pesados depois de 28 dias, mas os pesquisadores observam que as conclusões díspares podem se dever a medir diferentes tipos de habilidades de processamento.

Do mesmo modo, vários estudos não encontraram nenhum efeito residual ou a longo prazo na memória funcional. Um estudo de 2002, por exemplo, testou 77 fumantes pesados ​​por dia após a abstenção de fumar maconha. O comprometimento da memória estava presente em usuários pesados ​​até 7 dias após o uso da maconha, mas no dia 28, seus resultados de teste de memória não diferiram significativamente do grupo de controle. Em outras palavras, mesmo que sua memória seja afetada quando você fuma, depois de parar ela provavelmente vai voltar ao normal com o tempo.

A Administração de Serviços de Abuso de Substância e de Saúde Mental (SAMHSA, do inglês Substance Abuse and Mental Health Services Administration) tem um flyer sobre as possíveis consequências de curto e longo prazo do uso de maconha. Ele relata que não há nenhuma ligação forte entre a frequência do uso da maconha e da violência ou crime, nenhuma ligação clara ou distinta entre depressão e uso de maconha, e nenhuma ligação clara entre o uso de maconha e defeitos de nascimento.

O uso pesado de maconha, no entanto, tem sido associado a um aumento da probabilidade de problemas respiratórios, desenvolvimento de esquizofrenia (alguns estudos sugerem que uma predisposição genética pode estar envolvida nestes casos) e, para os adolescentes que estão aumentando o uso de maconha, mais dificuldade de se ajustar à sociedade. Nós vamos tratar algumas dessas questões abaixo.

As chances de se viciar em maconha aumentam se você é um usuário diário ou se o hábito começou quando você era adolescente. De acordo com o Instituto Nacional de Abuso de Drogas dos EUA, o vício da maconha sobe cerca de 17% em quem começar a usar nesta época e cerca de 25 a 50% entre os usuários diários.

“A maconha pode causar mudanças no cérebro que atrapalham o aprendizado, especialmente em adolescentes, já que seus cérebros ainda não terminaram de se desenvolver”, explica Damon Raskin, médico internista e diplomata do Conselho Americano de Medicina do Vício. “Os cérebros não estão totalmente desenvolvidos até a idade de 25 ou 26 anos. O uso crônico da maconha pode levar a alterações nas habilidades de personalidade, julgamento e raciocínio”.

Ainda de acordo com ele, a maconha nessa fase causa danos no coração e pulmões, aumenta a incidência de ansiedade, depressão e esquizofrenia, e pode desencadear episódios psicóticos agudos. “Grande parte da maconha disponível hoje é mais potente do que era no passado, de modo que existe potencial para que ela tenha efeitos deletérios mais intensos sobre o usuário”, conta Raskin.

O mais comum é que a maconha seja fumada, mas ela também pode ser usada em vaporizadores, transformada em chá ou consumida como um ingrediente em quitutes. Óleos e tinturas são muitas vezes feitos a partir da planta cannabis, bem como alguns medicamentos. Das muitas maneiras de usar maconha, fumar parece ter os efeitos colaterais mais prejudiciais.

“O fumo é prejudicial à saúde do pulmão”, aponta a Associação Americana do Pulmão. “Seja a partir da queima de madeira, tabaco ou maconha, toxinas e substâncias cancerígenas são liberadas na combustão de materiais. Foi mostrado que a fumaça da combustão da maconha tem muitas das mesmas toxinas, substâncias irritantes e cancerígenas que o fumo do tabaco”.

Além daquilo que está na fumaça, a maconha é normalmente fumada de maneira diferente do tabaco. Fumantes de maconha tendem a inalar mais profundamente e prender sua respiração por mais tempo do que os fumantes de cigarros, o que leva a uma maior exposição por respiração ao alcatrão. Da mesma forma, fumantes passivos de maconha absorvem muitas das mesmas toxinas e substâncias cancerígenas presentes na fumaça diretamente inalada da maconha, em quantidades semelhantes – se não maiores.

Uma revisão de estudos de 2013, no entanto, encontrou evidências mistas ligando o uso pesado da maconha a longo prazo com doença pulmonar ou câncer de pulmão e concluiu que há definitivamente um maior risco para essas condições se a pessoa usa tabaco. Ainda assim, os usuários regulares podem considerar outras opções além de fumar, como usar vaporizadores ou consumir como alimento.

A CEO dos laboratórios G FarmaLabs, Ata Gonzalez, explica que os métodos tradicionais não são os mais eficientes e nem os mais “limpos”. Isso porque métodos baseados em papel podem ser prejudiciais para o tecido da garganta e do pulmão ao longo do tempo, podendo introduzir a possibilidade de inalação de esporos de mofo e ser cancerígenos, dependendo do material no qual a cannabis é enrolada.

 

 

Fonte: Jéssica Maes via Hypescience