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A maior pesquisa sobre o uso do crack realizada pela SENAD/Fiocruz resultou num dado que 50% das mulheres que usam crack engravidam pelo menos uma vez durante o consumo regular da SPA (crack), sendo que, dos 350 mil usuários constatados à época pela pesquisa, 21% são mulheres o que equivale a 78 mil usuárias da droga.
Apesar de ser a pesquisa mais abrangente, realizada a partir de uma metodologia inédita no Brasil, não podemos ainda afirmar qual o número de crianças nascidas de mães usuárias de crack. Pouquíssimos são os estudos, pesquisas ou produção científica em relação ao tema “filhos(as) de usuárias de crack” e qual a real extensão de crianças abandonadas, deixadas em abrigos ou em situação de guarda com familiares (avô, avó, Tio, Tia entre outros) próximos a usuária.
Inquietante e preocupante esta constatação, pois somente com a evidência científica é que podemos estabelecer e implantar políticas públicas realmente eficazes e eficientes, ainda mais em um cenário lamentável e angustiante que é o de crianças nascidas de mães usuárias de crack – e na sua grande maioria fazendo uso do crack ainda quando grávidas, algumas até horas antes do nascimento de seu filho(a). Uma amostra constituída de 3 teses, 7 dissertações e 28 artigos, escolhidos após leituras de resumo e posterior leitura na íntegra utilizando como fonte o Banco de Teses e Dissertações da Capes, os bancos de dados Medline, Lilacs, e sites de órgãos públicos ligados à saúde, com os descritores “cocaína-crack”, “feto”, “recém–nascido”, “gravidez”¹ constatou a ocorrência de danos devido à exposição pré-natal de crack em crianças filhas de mães usuárias e pode, também, levar o recém-nascido a apresentar sintomas relacionados a intoxicação ou abstinência e mais que os filhos nascidos de mães usuárias podem nascer com baixo peso, desnutridos e estarem expostos a riscos de adoecimento.
Existem hoje, aproximadamente, mais de 40 mil crianças cadastradas como adotantes no Brasil e menos de 10 mil para serem adotadas². Muitas delas filhas(os) de mães usuárias de crack e, para agravar esta situação, a grande maioria das gestantes dependentes químicas não faz nenhum tipo de acompanhamento pré-natal e nem procura orientações médicas durante a gravidez, pois sua rotina se faz nas ruas, com o uso de drogas. Elas costumam chegar à maternidade apenas na hora do parto e isso acaba dificultando ainda mais a identificação delas e do número de crianças nascidas nessa situação, inibindo ainda mais algum dado sobre estas crianças concebidas no cimento das ruas e deixadas, muitas vezes, no nebuloso e lamentável enredo da exclusão social. Quando deixadas em abrigos, permanecendo neles em um tempo médio de dois anos, podem chegar ao número de até 90% da capacidade de crianças e adolescentes do local, mas isto é sazonal e não uma regra. A situação da 3ª Geração dos(as) filhos(as) de dependentes de crack, agravado pela situação de vulnerabilidade nas ruas, fez com que a Justiça de Bauru, por meio da Vara da Infância e Juventude, tomasse uma medida drástica, determinando o acolhimento preventivo e compulsório dessas crianças em abrigos.
O fenômeno das drogas é tema inesgotável de discussões, e estas tem que ser cada vez mais presentes. Não podemos nos limitar a uma Política Pública de gabinetes e conchavos excludentes, há necessidade de mais projetos voltados para a saúde da população e de consciência com os usuários de drogas, incluindo cuidados materno-infantis, formas de internação, atendimento às famílias, programas de lazer para os jovens, entre outras formas de empoderamento com o objetivo de erradicar o uso do crack das gerações futuras.
A negligência de uma Política Pública sobre Drogas, em qualquer esfera (Federal, Estadual e Municipal), que não contemple estas crianças, renunciadas à VIDA já no útero, é o pior indício de um futuro insalubre e valetudinário que TODOS da sociedade civil organizada irão colher, transferindo a responsabilidade da educação e acolhimento para a exclusão e estigmatização.
¹ – Os efeitos do crack na gestação e nos bebês nascidos de mães usuárias: Uma revisão bibliográfica.
² – Senado Federal
PITI HAUER é advogado com formação pela UFPr e habilitação específica em Ciências Penais, especializando-se em Dependência Química na UNIFESP. Membro do Conselho Estadual de Políticas Públicas sobre Drogas no Paraná (2014-2015), Colunista do Paraná Portal – “Vamos falar sobre Drogas?”, e com Curso de Extensão ao Crack: Tratamento e Políticas Públicas pela UNIAD.