Imaginar para crescer

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A vida é uma imensa possibilidade maleável. Pense numa criança que brinca. Em suas mãos, um pedaço de madeira não é um pedaço de madeira: agora é um carrinho, logo mais uma parede de estábulo, mais adiante um avião em pleno voo e mais tarde quem sabe a base do fogão da casa das bonecas. A capacidade imaginativa, que é também a capacidade de ver o mundo além da sua aparência imediata, é um movimento interno que precisa ser cultivado – e preservado. A nossa responsabilidade, enquanto adultos que educam e cuidam, está no permitir ou inibir essa capacidade de imaginar.

Permitir significa reconhecer esse pedaço de madeira em todos os significados que a criança possa lhe dar. Não é apenas sorrir e achar graça, meneando a cabeça encantado. É realmente desenvolver em si mesmo a capacidade infantil de ver além daquilo que é evidente. Não é fácil, mas se começarmos vai transformar a nossa vida.

Inibir, por outro lado, significa oferecer a essa criança o brinquedo pronto: o carrinho de plástico, o estábulo de montar, a réplica perfeita da aeronave moderna, o fogão do anúncio da TV. Também não é fácil, porque o mundo nos empurra nessa direção – e onde escrevo “mundo” leia vizinhos, família, amigos, o bombardeamento da mídia, as esquinas, a própria comodidade. O que parece mais fácil.

O fato é que as coisas prontas, sobre as quais não refletimos e às quais não transformamos, reduzem-nos como seres humanos. Não lhes acrescentamos nada. Limitamo-nos a pegá-las em nossas mãos e fazer com elas o que está programado (pensou em jogos de videogame? Fez bem, porque é por aí mesmo).

A nossa tarefa humana é acrescentar-nos significados, para sabermos que a vida, às vezes mesmo parecendo rasteira, é esse infinito de possibilidades maleáveis. Permitir que as crianças à nossa volta sejam preservadas desse mundo que as quer umas iguais às outras é dar-lhes ferramentas concretas, internas e duradouras, de olharem para as suas vidas sabendo que as podem transformar, e que qualquer coisa pode, a rigor, ser várias ao mesmo tempo. Depende, apenas, daquilo que as nossas mãos, mentes e corações fazem com e por elas.

 

ana cptAna Vieira Pereira é mestre e doutora em Literatura Comparada pela USP. Atualmente dedica-se ao ensino e à pesquisa da escrita dentro do âmbito da criação artística. Coordena o espaço Quinta Palavra, em Botucatu, e é assessora pedagógica da Escola Waldorf Rudolf Steiner, em São Paulo, e da Faculdade de Ciências Agronômicas da Unesp, em Botucatu. É autora de, entre outros, Do ventre ao berço: o parto em casa, Mistache Malabona e O dono do castelo.