Prevenção se faz com educação em todas as idades

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maria-heloisaMARIA HELOISA BERNARDO é psicóloga atuante no campo da saúde mental e na dependência química com foco em abordagem integral.

Desenvolveu experiência terapêutica em alguns dos importantes centros de tratamento de São Paulo. Implanta programas de prevenção em saúde mental e dependência química em instituições, escolas e empresas. Coordenou três fóruns nacionais sobre dependência química. Realizou a coordenação geral da área de Tratamento, Inserção e Reinserção Social no II Fórum Nacional.

Representante do programa “Fé na Prevenção” organizado pela SENAD (Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas), é Diretora técnica do Centro de Tratamento Bezerra de Menezes, em São Bernardo do Campo (SP), e Diretora da Associação Médico Espírita do ABC.

Nesta entrevista exclusiva, concedida à publicação Leitor EME, ela fala sobre O que é dependência química, seu novo livro, lançado pela Editora Nova Consciência e pelo Instituto Independa. 

O que a motivou escrever este livro, O que é a dependência química?

O uso abusivo de drogas não mais deve ser considerado um fenômeno marginal, isolado ou restrito a grupos específicos da sociedade. Estatísticas de fontes especializadas indicam crescimento do consumo de substâncias psicoativas em todo mundo e, particularmente nos centros urbanos independentemente de idade, sexo, nível de instrução e poder aquisitivo. É uma questão que impacta negativamente no bem-estar social e a saúde pública. Nossa experiência profissional confirma tanto o crescimento no consumo de drogas quanto a diversificação do perfil dos usuários. As pessoas que hoje procuram orientação sobre drogas pertencem aos mais diferentes grupos étnicos, culturais e socioeconômicos. São universitários, estudantes de segundo grau, educadores, diretores de empresas, profissionais de saúde e RH e donas de casa. Essa síndrome insidiosa provoca danos físicos em seu portador e sofrimento emocional aos seus familiares e amigos.

Avanços terapêuticos asseguram bons índices de recuperação, mas prevenir está na base do sucesso do combate à doença.

Conscientizar, elevar o nível de conhecimento e mobilizar para uma mudança de valores e atitudes são ações relevantes em qualquer esforço preventivo. É a esta tarefa que pretendemos nos dedicar com a publicação deste livro.

Que pretende com esta obra?

Nossa principal expectativa é de que as informações aqui apresentadas possam ser úteis aos seus destinatários preferenciais – familiares, pais, educadores, agentes comunitários, profissionais de saúde, e todos aqueles que desejam conhecer e aprofundar seus conhecimentos sobre uso, abuso e a evolução para a Síndrome da dependência química e as várias formas de manejar o problema.

O que de fato seria dependência química?

Dependência química é uma síndrome biopsicossocial ativada por uma predisposição de a pessoa desenvolver dependência a substâncias psicoativas que provocam alterações no estado de humor. Pode ser reconhecida através de sinais e sintomas específicos. Um profissional especializado pode reconhecer de modo rápido e seguro a presença ou não da doença.

Podemos constatar a dependência – em nós e nos outros? Em que momento isso ocorre?

A instalação da síndrome é lenta e insidiosa sendo a sua principal característica a perda de controle sobre o consumo de SPA e progressivamente a perda de controle sobre todas as esferas da vida.

Existe como evitar que uma dependência se instale em nossa casa?

Prevenção se faz com educação em todas as idades, principalmente na juventude. É importante que as pessoas, principalmente aquelas que apresentam fatores de risco se instruam sobre a natureza da dependência química, sobre a codependência e as suas consequências e repassem o novo conhecimento principalmente aos jovens, procurando conscientizá-los de que usar drogas leva a perdas significativas em todas as esferas da vida. No caso de filhos muito jovens, é importante determinar posições familiares claras sobre não usar drogas, sendo primordial reforçá-las com o próprio exemplo. Paralelamente, sugere-se buscar ajuda de profissionais especializados em dependência química para que possam receber orientação profissional. A firmeza, o estabelecimento de limites e disciplina são condições fundamentais para lidar com o problema das drogas dentro do lar.

Quando os pais constatam que os filhos são dependentes, como devem agir?

Em todas as situações relacionadas ao abuso de drogas, as pessoas envolvidas devem se esforçar para adquirir conhecimento sobre o problema.

Nos casos em que a doença já esteja instalada, existindo forte resistência quanto ao tratamento, é necessário realizar intervenção com o objetivo de motivar o dependente e levá-lo ao tratamento especializado.

Pode-se preparar o grupo familiar para realizar esta intervenção, educando-o sobre a dependência química e desenvolvendo um ambiente de segurança emocional, com o objetivo de sensibilizar o dependente para a necessidade do tratamento. Esta estratégia requer ajuda profissional. Outro recurso é o encaminhamento dos familiares para grupos de ajuda mútua e, os dependentes químicos, para alcoólicos anônimos e narcóticos anônimos.

Como convencer aos jovens de que álcool e drogas representam uma ameaça? Que tipo de discurso adotar que seja eficaz de fato?

As crianças e adolescentes de hoje sabem muito mais sobre o mundo do que pretendem seus pais. Porém, a sua visão da realidade é ainda naturalmente muito distorcida pela inexperiência e falta de maturidade. É dever dos adultos alertá-los contra as drogas e o álcool, oferecendo-lhes perspectivas adequadas.

Aqui cabe um ponto para reflexão: a interpretação paterna sobre o uso de álcool e das drogas é fundamental. Achamos que a experimentação é apenas uma fase pela qual passa a criança ou achamos que é um caminho perigoso no qual não podem entrar? – É melhor escolher a segunda opção, devido à complexidade e gravidade do problema. Eis um segundo ponto para reflexão: somos os melhores amigos de nossos filhos ou somos os seus pais? Às vezes não se consegue ser as duas coisas ao mesmo tempo.

Devemos ter em mente três motivações principais do comportamento adolescente, inclusive quanto a usar ou não álcool e drogas: – os jovens devem aprender que não usar é mais aceitável do que usar. Que em vez de demonstrar maturidade, a droga e o álcool que usam mostra falta de preocupação com seu bem- estar pessoal, sinal evidente de imaturidade. Que embora a adolescência pareça ser a parte mais importante da vida para o jovem, ela dura cerca de 10 anos, e é na realidade um modo da natureza nos preparar para a vida adulta. São os pais que têm que lhes ensinar sobre isso.

É importante comunicar claramente e com firmeza que “não existem negociações sobre situações que coloquem em risco a saúde, a segurança ou a integridade do filho”. Os pais não precisam utilizar mensagens camufladas.

  • Nada de atividades ilegais
  • Nada de dirigir perigosamente, ou antes da idade legal.
  • Nada de álcool e drogas.

E com crianças? Devemos tratar do assunto também? Como e a partir de que idade?

Quanto mais cedo os pais aprenderem sobre uso, abuso e suas consequências melhor. Eduque-se sobre estas questões. Telefone e reúna-se com os pais dos amigos de seus filhos. Conscientize-se da necessidade de possuir valores firmes e opiniões claras sobre o tema dentro da família. Manifeste à família a opinião a respeito das drogas. Conheça as crianças, mas principalmente os pais dos amigos de seus filhos. Apoie estes pais a se educarem sobre o tema. Estabeleça normas. Observe os grupos nos quais vivem os seus filhos e jovens. Um bom grupo de iguais é um modo maravilhoso de ajudá-los a crescerem saudáveis e sem drogas.

Pais solteiros ou divorciados precisam reconhecer que os seus filhos convivem entre si e exercem pressão mútua, por isso, devem se unir uns aos outros e construir vínculos fortes, compartilhando energia e força afetiva. É muito difícil criar um filho sozinho.

  • Tome a decisão de levar as crianças em viagens de férias com a família. Divirtam-se juntos.
  • Os pais têm o direito de revistar o quarto dos filhos, onde geralmente são escondidas as drogas.
  • Aprenda algo sobre os equipamentos do universo das drogas.

Qual a importância da ajuda da família no processo?

A família quando bem orientada pode ser o fator decisivo na escolha do doente para a recuperação. Para tanto necessita de orientação e aprendizado sobre a própria doença e como proceder com o dependente e ajudá-lo a superar a fase da negação.

O que é codependência e o que os codependentes precisam saber?

A codependência inicia quando uma pessoa, numa relação comprometida com um dependente, tenta controlar a bebida, o uso de drogas ou quaisquer comportamentos compulsivos do mesmo na esperança de ajudá-lo. Como consequência dessa busca mal- sucedida de controle das atitudes do próximo, a pessoa acaba perdendo o domínio sobre sua vida e sobre o próprio comportamento. O produto final da situação é a codependência.

Codependência é uma síndrome crônica que segue uma progressão previsível. O codependente é a pessoa com a vida fora de controle por viver uma relação disfuncional com um dependente químico. A dependência é conhecida em muitos meios como a doença da família. Existe um envolvimento profundo e visível entre os familiares e os sinais e sintomas progressivos emitidos pelo dependente durante a evolução da doença. O termo codependência foi criado para descrever tal situação.

Qual o meio mais eficaz de se auxiliar no processo de recuperação de um dependente químico?

A primeira providência é a conscientização das pessoas que convivem com o dependente para que não mais facilitem o seu uso, deixando-o assumir responsabilidades, não fazendo as coisas por ele e responsabilizando-se pelos danos devido ao uso de químicos. A segunda providência é educar-se sobre a doença obtendo a maior quantidade possível de informações a respeito dessa complexa síndrome. Todas as informações iniciais, assim como ajuda efetiva, podem ser encontradas gratuitamente nos grupos de Anônimos para familiares e amigos de dependentes, conhecidos como Alanon, Naranon ou grupos de Amor Exigente. Se estes recursos, a curto e médio prazo, não forem suficientes, pode-se recorrer à ajuda profissional especializada.

É verdade que a solidão é a melhor companhia do dependente químico? Porque?

Não é verdade. É o contrário. A solidão é um dos maiores problemas para o dependente e durantes os primeiros estágios do processo de recuperação sendo aconselhável que este esteja sempre em contato com pessoas que que conheçam a sua doença e que possam auxiliá-lo nos momentos de fragilidade. Outra indicação é a assiduidade nos grupos de auto mútua como AA, NA e outros exatamente para se manter em contato com pessoas que tenham as mesmas dificuldades e poder partilhar seus pensamento e sentimentos.

E que mensagem deixaria para nossos leitores a respeito de como se manter (e manter nossos filhos e amigos) longe das drogas?

Em se tratando de uso, abuso e dependência assim como para prevenir tantos outros problemas nas nossas vidas, eu diria que o exemplo não é a melhor forma de ensinar. É A ÚNICA.

 

Fonte: Editora EME