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Nos últimos anos, o Conselho Federal de Psicologia (CFP) vem realizando uma cruzada contra as por ele denominadas “comunidades terapêuticas”; acontece que em nome de uma causa nobre e correta – a garantia de direitos -, tem cometido erros conceituais e de avaliação crassos.

“Comunidades terapêuticas” são um modelo de tratamento reconhecido e de eficácia cientificamente comprovada (EMCDDA, 2014), cujos pilares são: (1) adesão e permanência voluntárias, (2) convívio entre pares e (3) espiritualidade (Sanches & Nappo, 2007). Além disso, as comunidades terapêuticas são unidades de acolhimento social, de caráter residencial e parte integrante do Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas (SISNAD) (CONAD, 2015). Historicamente, originaram-se nos EUA e na Europa do pós-guerra como uma opção ao modelo manicomial.

Em 2011, o CFP fiscalizou estabelecimentos para internação de usuários de drogas e produziu um relatório que para muitos se transformou no paradigma do que seria uma “comunidade terapêutica” (CFP, 2011). Nesse, o Conselho apontou uma série de irregularidades e violações de direitos humanos dos usuários. Infelizmente há muito mais casos como os relatados pelo CFP. Todos os locais de acolhimento que apresentem irregularidades devem ser notificados ou fechados e seus proprietários, responsabilizados civil e/ou criminalmente.

Acontece que a existência de estabelecimentos inadequados e muitas vezes mal-intencionados – “clínicas-de-internação-forçada”, “sítios”, … – não são justificativa para a extinção de um modelo, como quer o Conselho de Psicologia. É como se a partir da constatação de que há indivíduos exercendo a Medicina e a Psicologia sem diploma bastasse para se proibir o exercício dessas duas profissões no Brasil. Dos quase 70 estabelecimentos fiscalizados pelo CFP, apenas 2 eram credenciados a Federação Brasileira de Comunidades Terapêuticas (FEBRACT) e nenhuma delas era conveniada com o Governo do Estado de São Paulo.

Atualmente, a Secretária Nacional de Política sobre Drogas (SENAD) financia 6089 camas nacionalmente (OBID, 2014) ; o Programa Recomeço do Governo do Estado de São Paulo, 1703 camas e a Prefeitura de SP, 100, na Fazenda da Esperança (Guaratinguetá – SP). Ou seja, AS COMUNIDADES TERAPÊUTICAS SÃO PARTE INTEGRANTE DAS POLÍTICAS DE DROGAS EM TODAS AS SUAS ESFERAS. Além das normas da ANVISA, as comunidades conveniadas com o Estado de São Paulo devem atender ao Manual para Instalação e Funcionamento das CTs (CONED, 2014) e receber a visita dos departamentos de saúde e assistência social de suas regiões. Há menos de uma semana, o Conselho Nacional de Políticas sobre Drogas (CONAD) publicou o marco regulatório das CT (CONAD, 2015), um importante avanço tanto para o fortalecimento desse modelo de cuidado, quanto para o combate aos serviços que por imperícia, imprudência e negligência afetam a saúde e a dignidade dos que procuram ajuda para os problemas relacionados ao consumo de substâncias psicoativas.

Todos somos contrários ao manicômio e a estabelecimentos que atentam contra a dignidade humana. Mas o modelo de tratamento “comunidade terapêutica” é um recurso valioso, de eficácia comprovada e que conta com ambientes e infraestrutura de altíssima qualidade no Brasil. Deve, por isso, ser cada vez mais incluído nas Redes de Atenção Psicossociais (RAPS) de todas as regiões do Brasil, sempre de acordo com o trabalho dos CAPS-AD. Um direito de todos os usuários do SUS que apresentam problemas relacionados ao consumo de drogas.

Espero que o CFP continue fiscalizando, documentando e denunciando serviços de atenção à saúde indignos; espero, igualmente, que reconheça a existência de comunidades terapêuticas estruturadas e eficientes, preocupadas com a recuperação daqueles que as procuram.

 

Referências:

CFP – Conselho Federal de Psicologia. Relatório da 4ª Inspeção Nacional de Direitos Humanos: locais de internação para usuários de drogas. Brasília: CFP; http://site.cfp.org.br/publicacao/relatorio-da-4a-inspecao-nacional-de-direitos-humanos-locais-de-internacao-para-usuarios-de-drogas-2a-edicao.

CONAD – Conselho Nacional de Políticas sobre Drogas. Resolução CONAD Nº 01/2015. Regulamenta, no âmbito do Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas (SISNAD), as entidades que realizam o acolhimento de pessoas, em caráter voluntário, com problemas associados ao uso nocivo ou dependência de substância psicoativa, caracterizadas como comunidades terapêuticas. Brasília: CONAD; 2015. http://www.jusbrasil.com.br/…/dou-secao-1-28-08-2015-pg-51.

CONED – Conselho Estadual de Políticas sobre Drogas. Comunidades Terapêuticas – orientação para instalação e funcionamento no Estado de São Paulo. São Paulo: Governo do Estado de São Paulo; 2014. http://www.defensoria.sp.gov.br/…/Manual%20CT%202014.pdf.

EMCDDA – European Monitoring Centre for Drugs and Drug Addiction. Therapeutic communities for treating addictions in Europe – Evidence, current practices and future challenges. Luxembourg: EMCDDA; 2014. http://www.emcdda.europa.eu/…/therapeutic-communities.

OBID – Observatório Brasileiro de Informação sobre Drogas. Relação de vagas de acolhimento conveniadas com a SENAD. Brasília: SENAD; 2014. http://www.obid.senad.gov.br/…/docu…/Diversos/329615.pdf.

Sanches ZVDM, Nappo S. A religiosidade, a espiritualidade e o consumo de drogas. Rev. Psiq. Clín. 34, supl 1; 73-81, 2007. http://www.hcnet.usp.br/ipq/revista/vol34/s1/73.html.

 

Sobre o autor: MARCELO RIBEIRO MSc, PhD, é Médico psiquiatra FCM Santa Casa SP, Analista Junguiano SBPA, Professor Afiliado pelo Depto Psiquiatria UNIFESP, Pesquisador Principal Unidade de Pesquisa em Álcool UNIAD/UNIFESP e Diretor Técnico do Centro de Referência do Álcool, Tabaco e outras Drogas – Secretaria do Estado da Saúde de São Paulo CRATOD/SES

 

Fonte: Blogo Palimpsesto