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Um estudo de Ovandir Alves Silva e Mauricio Yonamine, da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Universidade de São Paulo, efetuado por meio de exames de urina em 12.700 trabalhadores de todo o Brasil indica que:
1,8% de todas as amostras analisadas foram positivas para a presença de drogas de abuso, sendo que 0,5% eram provenientes da região Sul, 1,1% da região Nordeste, 1,2% do Centro-Oeste, 1,3% da região Norte e 2,2% do Sudeste. A frequência com que as diferentes drogas foram encontradas foi: 59,9% para maconha, 17,7% para cocaína, 14,6% para anfetamina e 7,7% para drogas em associação.
O trabalho de prevenção deve envolver todos os empregados das empresas, pois as ocorrências de acidente, segundo estudo da Organização Internacional do Trabalho (OIT), são maiores nos usuários esporádicos:
Observando a distribuição de populações em geral conforme os seus níveis de consumo de álcool, constata-se que há consumidores leves, moderados e abusadores, ou bebedores problemáticos. Pode-se então classificar essas pessoas em três níveis de risco para problemas decorrentes do seu consumo de álcool: risco baixo, moderado e alto risco. Em relação às demais drogas pode-se seguir o mesmo raciocínio. O mundo do trabalho é um segmento da população geral, ao qual se aplica essa mesma linha de pensamento. Examinando os indicadores de desempenho (faltas ao trabalho, acidentes, licenças por doenças) dos colaboradores das corporações, veremos que aqueles que bebem mais têm proporcionalmente mais problemas dos que não bebem ou bebem pouco e, portanto, ocasionam mais custos do que os demais. Entretanto, como os que estão nas faixas de risco moderado e baixo constituem a grande maioria de trabalhadores, necessariamente apresentam um maior número absoluto de ocorrências e, por conseguinte, o maior somatório de custos será originário dessas faixas. Portanto, todos os três grupos de consumidores contribuem significativamente para o volume total de problemas. Essa observação foi feita em 1986 por pesquisadores da Universidade de Edimburgo, no Reino Unido, e desde então é conhecida como “O Paradoxo da Prevenção”. Segundo dados da OIT, de 60 a 70% dos problemas são ocasionados por usuários eventuais de álcool ou drogas. Consequentemente, um projeto de prevenção tem que atingir todos os colaboradores de uma empresa, tendo como objetivo a redução global do consumo e a melhoria dos indicadores de desempenho.
No Brasil, estudo realizado no ano de 1993 pela Federação das Indústrias do Estado de São Paulo – FIESP aponta que de 10% a 15% dos empregados tem problemas de dependência, e que este abuso:
É responsável por três vezes mais licenças médicas que outras doenças; Aumenta cinco vezes as chances de acidentes de trabalho;
Está relacionado com 15% a 30% de todos os acidentes no trabalho;
É responsável por 50% de absenteísmo e licenças médicas;
Leva à utilização de oito vezes mais diárias hospitalares;
Leva a família a utilizar três vezes mais assistência médica e social.
A legislação brasileira prevê a criação e o desenvolvimento de programas de prevenção de uso de drogas na Lei 11.343/06.
Mas não há uma lei objetiva sobre os programas de prevenção desenvolvidos por empregadores no âmbito de suas empresas. E a dúvida que se estabelece é: o que fazer? As empresas podem ou devem cuidar dessa prevenção?
Como conciliar a liberdade individual e o direito à privacidade de um empregado com o risco que ele, ao ir trabalhar sob efeito de substâncias químicas, inflige a si mesmo e aos colegas de trabalho?
E há questões práticas muito relevantes:
A empregadora pode exigir exames de detecção dessas substâncias de modo obrigatório?
De quem é a culpa num acidente de trabalho gerado por empregado sob efeito dessas substâncias?
De quem é a culpa numa decisão desacertada de um executivo sob tais circunstâncias?
O empregado que não usa tais substâncias, mas é atingido por ato de outro que usa, pode exigir a responsabilização da empresa?
Qual a defesa da empresa nessa situação quando a jurisprudência não aceita o exame obrigatório?
O que fazer quando um empregado volta visivelmente alterado de um intervalo para refeição e descanso?
A sensação de que “se correr o bicho pega e se ficar o bicho come” é o que muitas vezes faz com que algumas empresas exijam os exames ou numa situação de “evitar problemas” com Ministério Público, Magistratura e sindicatos, nada façam.
A questão é muito complexa, pois envolve a liberdade individual e o direito à intimidade da pessoa, que não deixa de existir pelo fato de ela estar numa relação de emprego.
De acordo com o entendimento jurisprudencial atual, nenhuma ação da empresa poderá ser efetuada de maneira impositiva e toda participação do empregado será sempre voluntária. Dessa forma, respeita-se a norma constitucional prevista no artigo 5º, inciso X da Constituição Federal:
X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.
Assim, qualquer programa deverá prever participação voluntária dos empregados e sigilo nas informações.
A empresa poderá, sem qualquer restrição, efetuar um programa de conscientização geral com palestras informativas e outras atividades sem exigir identificação e participação de empregados, mas sempre em atividades públicas e gerais.
No entanto, qualquer outro tipo de programa que exija identificação do empregado dependente de drogas e que busque um programa de reabilitação deve ser extremamente cuidadoso, inclusive quanto a evitar-se qualquer divulgação do empregado que se inscreva no programa perante os demais colegas.
É verdade que a empresa tem obrigações quanto à segurança do ambiente de trabalho e dos empregados, em razão das normas celetistas e as específicas de segurança e medicina do trabalho.
No entanto, dentre os exames médicos e laboratoriais previstos nas normas regulamentadoras não há nenhuma previsão de exames toxicológicos senão para detecção de produtos químicos utilizados nas atividades profissionais.
Exigir-se um exame toxicológico obrigatório feriria o inciso II do artigo 5º da Constituição Federal:
II – ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei
O dilema jurídico desta questão é: como proteger a saúde do empregado que porventura se utilize de drogas e ainda de seus colegas de trabalho, que podem ser atingidos num acidente que ocorra por erro de atuação de um empregado com suas faculdades mentais e físicas alteradas, e não ferir a liberdade individual, nem a lei.
A jurisprudência é muito esparsa e rara, mas quando existe é concordante em impedir qualquer exame obrigatório para detecção de drogas.
Assim, pode-se concluir que qualquer exame não pode ser obrigatório, mas, mesmo que voluntário, seria inócuo para um programa realizado pela empresa, uma vez que é vedado ao médico divulgar resultados desse tipo de exame, senão para o próprio paciente ou para outro médico, o que impediria que a empresa conhecesse seu resultado senão pelo próprio empregado.
Outro risco envolvendo esse tipo de programa, ainda que com exames autorizados e por empregados que se inscrevessem nele voluntariamente, seria a possibilidade de, no futuro, eventual demissão ser considerada discriminatória, se, por exemplo, esse funcionário não se adequar ao tratamento ou, mesmo que reabilitado, a empresa resolvesse demiti-lo.
Dessa forma, podemos deduzir que um programa desenvolvido pela empresa não poderia ser obrigatório, nem tampouco exigir o exame para quem nele se inscrevesse. Feito o exame, não seria lícito ao médico da empresa divulgar seus resultados.
Podemos concluir, portanto, que, se a empresa que pretende desenvolver esse tipo de programa, deverá fazê-lo de maneira restrita internamente, limitando-se a palestras e atividades de conscientização dos riscos do uso das drogas na vida pessoal e na atividade profissional dos empregados. Entendemos que a parte médica deverá ser efetuada por clínicas especializadas em convênio com a empresa, mas sem divulgação dos inscritos, senão ao médico do trabalho. E a necessidade de afastamento médico deverá ser avaliada pelo especialista da empresa, no entanto, sem divulgação do CID envolvido.
Mas esse não é um assunto terminado, a solução indicada não é a melhor, pois os empregados com dependência que não quiserem se tratar continuarão dependentes e pondo em risco as próprias vidas e as de seus colegas. E as empregadoras continuarão de mão atadas e pagando as indenizações por acidente de trabalho que não geraram.
É necessária uma ação do poder público e do Ministério Público do Trabalho, atuando em conjunto com as empresas em medidas que não sejam discriminatórias, mas que ponham em segurança as vidas dos trabalhadores. A discussão do tema se impõe sem ideologias fáceis.
MARIA LUCIA BENHAME é Advogada, graduada e pós-graduada em Direito do Trabalho pela Faculdade de Direito da USP. Sócia do escritório Benhame Sociedade de Advogados.
(Texto adaptado da Revista Visão Jurídica. Para leitura na íntegra, clique aqui)