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As sociedades humanas passaram por transformações nos últimos cinquenta anos, principalmente nas esferas educacional, tecnológica, político-social, cultural e econômica, as quais impactaram o modo de ser e de viver das mesmas. Com isso, os modos de vida influenciam e são influenciados por novas tecnologias, mídias e pelas forças políticas e econômicas em jogo. Essas relações reforçam e estabelecem hábitos concernentes ao uso indevido de drogas, como fumar, consumir excessivamente bebidas alcoólicas e outras substâncias químicas.
Embora o contexto relacionado ao consumo de drogas no Brasil ainda seja pouco conhecido, os estudos disponíveis apontam que o álcool, o tabaco e alguns medicamentos psicotrópicos são as drogas mais consumidas e responsáveis pelos maiores índices de problemas nas áreas de saúde pública, educação e segurança, dentre outras.
É importante destacar que tratar sobre a problemática das drogas implica considerar que elas estiveram, estão e, ao que tudo indica, estarão presentes no cotidiano social e cultural da humanidade, sendo representada, por vezes, através de rituais de pajelança, cerimônias religiosas, usos medicinais, recreacionais, abusivos, entre outros. Além disto, estudos demonstram a disseminação de novas drogas sintéticas, a precocidade de seu uso e sua associação com atos violentos. Assim sendo, percebe-se o quanto o assunto é polêmico, complexo e desafiador, sobretudo ao ser abordado no campo educacional.
A concepção de educação da Rede Estadual de Ensino visa contribuir para minimizar desigualdades sociais e conquistar uma sociedade justa e humana, pois as desigualdades sociais, presentes no processo histórico brasileiro e paranaense, são influenciadas por práticas econômicas, políticas, sociais elitistas e privatistas. Em decorrência desta concepção destacam-se nesta abordagem: o papel das escolas públicas diante da situação das drogas, a questão da formação dos profissionais da educação sobre este assunto e a prevenção ao uso indevido de drogas como um dos desafios educacionais contemporâneos.
A partir da história da Educação Básica constata-se que a definição do papel da escola tem sido um constante desafio no âmbito da política pública. Diante disso, vislumbra-se a urgência em constituir uma escola que assume a responsabilidade de atuar na transformação e na busca do desenvolvimento social, cujos sujeitos que dela participam, empenhem-se na construção de uma proposta para a realização desse objetivo. Dessa forma, a escola como espaço privilegiado para a socialização dos conhecimentos historicamente construídos pela humanidade, pode e deve intensificar e ampliar os estudos e discussões sobre a problemática das drogas, envolvendo, se possível, todos os sujeitos da comunidade escolar.
A escola, como toda instituição social, é permeada por relações de poder e necessita compreender suas atribuições neste contexto para atuar, intervir e realizar ações preventivas em consonância aos desafios atuais.
O que exatamente abordar, no cotidiano escolar, ao tratar sobre a questão das drogas? Geralmente, os conteúdos trabalhados caracterizam-se por um viés superficial e permeado de preconceitos, além de precária cientificidade. O encaminhamento proposto é o de tratar a prevenção ao uso indevido de drogas de maneira crítica, histórica e pedagógica articulada aos conteúdos das diferentes disciplinas da Educação Básica. No entanto, a questão das drogas e sua prevenção não podem se impor à disciplina numa relação artificial e arbitrária, devem ser ‘chamados’ pelo conteúdo da disciplina em seu contexto e não o contrário, transversalizando-o ou secundarizando-o.
Portanto, o trabalho pedagógico requer um razoável entendimento teórico. Para tanto, os professores e demais profissionais da educação precisam de fundamentação teórica e formação continuada para contribuir no processo de prevenção ao uso indevido de drogas, numa perspectiva crítica, histórica e pedagógica, a qual objetiva no processo de socialização do conhecimento não revelar a verdade absoluta e sim, como nos diz Andrew Weil: “descobrir maneiras mais úteis de pensar sobre os fenômenos” que envolvem as drogas.
Neste sentido, é importante considerar um tratamento pedagógico que possa ser o mais coerente possível, considerando as informações trazidas pelos alunos a fim de confrontá-las com o saber sistematizado, permitindo, assim, maior reflexão e crítica sobre as questões que envolvem as drogas. É necessário pôr em crise as informações, questioná-las, e com isso incitar os alunos a discutir os aspectos sociais, econômicos, políticos, históricos, éticos e culturais envolvidos na problemática das drogas, bem como as relações de poder nestas circunstâncias.
Desta forma, é preciso tratar os conteúdos relacionados às drogas de uma maneira mais ampla, num processo de desconstrução e reconstrução de abordagens que contemplem as implicações e as inter-relações dos contextos sociais, políticos e econômicos. Assim, o entendimento sobre a prevenção ao uso indevido de drogas vai além das discussões do campo biológico e perpassa outras áreas do conhecimento como as Ciências Humanas e Exatas, possibilitando que as diferentes disciplinas da matriz curricular possam contribuir por meio de seus conteúdos.
Portanto, é preciso buscar constantemente conhecimentos científicos e práticas preventivas que possam, de fato, fazer sentido para os sujeitos envolvidos. Dessa maneira, professores podem minimizar sua insegurança ao lidarem com o complexo assunto das drogas, trazendo maior tranquilidade e qualidade pedagógica na prevenção ao uso indevido de drogas nas escolas.
Defende-se que os professores da Educação Básica, das diversas disciplinas, de todos os níveis e modalidades de ensino, precisam tratar das questões referentes à prevenção ao uso indevido de drogas, conforme a realidade e a necessidade do seu estabelecimento de ensino. Nesse sentido, a intervenção que se faz e/ou as ações preventivas desenvolvidas precisam partir do que está sendo vivido, pensado e realizado pela comunidade escolar.
Existem diferentes possibilidades de abordagens sobre a prevenção ao uso indevido de drogas presentes na sociedade e na escola. Para tanto, precisa-se considerar uma prática escolar fundamentada num processo de socialização do conhecimento entre professores e alunos e destes com o mundo. Por meio desta prática ambos podem refletir sobre compromisso político e produzir o próprio conhecimento em torno das implicações das drogas na sociedade.
Além disso, é fundamental o trabalho articulado entre as instituições públicas e destas com a sociedade civil organizada.
Outro aspecto relevante é o fato de a própria comunidade escolar assumir o processo preventivo e não esperar que outros agentes de fora da comunidade o façam. Assim, promover discussões nas reuniões pedagógicas sobre prevenção é uma oportunidade para contemplar este assunto no currículo escolar por meio dos conteúdos das diversas disciplinas da Educação Básica.
Neste contexto, destaca-se a ação dos professores como pesquisadores. Deixam de ser meros observadores dos alunos e das ações que ocorrem no espaço escolar, tomando para estudo e investigação o próprio contexto escolar e as interferências da sociedade contemporânea.
Esta prática investigativa desencadeia um trabalho pedagógico sobre a prevenção ao uso indevido de drogas e aproxima esta discussão da realidade local considerando as necessidades e dificuldades da própria escola. Assim, as escolas públicas estaduais estarão contribuindo para a transformação cultural, política e econômica da sociedade.
Texto de Irene de Jesus Andrade Malheiros, professora de Ciências e Biologia e mestre em Educação (UFPR), e Silvio Alves, Professor de História e especialista em Filosofia Moderna e Contemporânea (UEL-PR). Para ler o conteúdo integral, basta clicar aqui.