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Tradicionalmente indicados para o tratamento de narcolepsia (distúrbio do sono) e de Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH), a venda de Ritalina e Concerta, medicamentos do gênero tarja preta, explodiu nos últimos anos, pois têm sido utilizados por estudantes, com ou sem prescrição, para “turbinar o cérebro” e, com isso, melhorar o desempenho escolar e acadêmico.
O Brasil é o segundo do mundo da Ritalina, atrás apenas dos EUA. De acordo com a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), só em 2011, foram comercializadas 1.212.850 caixas do medicamento nas farmácias do país. Dados do Instituto de Medicina Social da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) apontam que, em dez anos, o consumo de metilfenidato – substância ativa dos dois medicamentos – cresceu 775%. O montante da substância, seja importada ou produzida no País, passou de 122 kg em 2003 para 578 kg em 2012, crescimento de 373%.
Os números de uso são muito altos, mas pouco se sabe sobre o perfil de pessoas que tomam o medicamento, nem quantas usam a substância com o intuito de turbinar o cérebro. Daniela Junqueira, farmacêutica e pesquisadora do Centro de Estudos do Medicamento da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), é orientadora da pesquisa de iniciação científica da aluna de graduação Raissa Fonseca Cândido, que desenvolve um estudo com o intuito de traçar um panorama, entre estudantes da UFMG, sobre o uso de medicamento para melhoria do desempenho acadêmico. A universidade tem quase 50 mil alunos.
Na pesquisa, estudantes estão sendo convidados a responder um questionário que mostrará se o estudante faz uso, em que situações, posologia e com que frequência. Raíssa ressalta que a meta é traçar um panorama de uso e não identificar quem está consumindo o medicamento, portanto a identidade do participante é mantida em sigilo.
“Existem estudos realizados nos Estados Unidos que mostram que 10% dos estudantes universitários usam metilfenidato. No Brasil, ainda não temos um estudo amplo sobre isto. Não sabemos para quê as pessoas estão fazendo uso e o medicamento está entre os cinco mais vendidos”, disse Raíssa.
A estudante de farmácia afirma que, quando começou a pesquisa, achou que fosse encontrar mais referência de estudos realizados pelo Brasil. Mas são poucos. Na biblioteca Scielo só existem 34 estudos sobre metilfenidato cadastrados. Uma pesquisa publicada neste ano e feita com estudantes do quinto e sexto ano de uma faculdade de Medicina no Rio Grande do Sul, mostrou que 34,2% dos participantes já haviam usado metilfenidato, sendo que 23,02% haviam usado a substância sem a indicação médica.
Raíssa acredita que o uso exagerado do medicamento esteja relacionado com a pressão social por ter sempre bons resultados e produzir cada vez mais. “Tem também a cultura do imediatismo, um interesse por resultados rápidos, de querer ir bem na prova estudando apenas uma hora”, completa Daniela.
Os resultados da pesquisa da UFMG devem sair no fim do próximo ano e dar um panorama mais amplo do consumo do medicamento no Brasil. “É muito importante que os estudantes respondam. Queremos entender os motivos que os levam a usar, e também porque médicos estariam prescrevendo o medicamento para pessoas saudáveis. Até porque nem todas as pessoas que usam têm déficit de atenção e não há nenhum estudo que comprove que o metilfenidato melhora o desempenho acadêmico”, disse Daniela.
Um estudo realizado na Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) mostrou que a Ritalina não promove melhora cognitiva em pessoas saudáveis. O estudo foi feito com 36 jovens (entre 18 e 30 anos) divididos em quatro grupos: um parte tomou placebo e os outros três doses únicas de 10 mg, 20 mg ou 40 mg da medicação. Depois de tomarem os comprimidos, os participantes fizeram testes de atenção e memória. Os quatro grupos tiveram desempenho semelhantes.
“É um medicamento estimulante do sistema nervoso central, é um dos derivados da cocaína, a pessoa se sente mais condicionada, mas o desempenho, de fato, não melhora”, afirma Daniela.
A farmacêutica ressalta que o medicamento tem efeitos colaterais no sistema cardiovascular (taquicardia e hipertensão), além de causar dependência. “É um fármaco autorizado para situações específicas, não para este tipo de uso. Outro problema é que os estudos sobre efeitos colaterais medem períodos de no máximo dois anos de uso. Não se sabe o que pode acontecer no longo prazo”, disse.
Fonte: UNIAD via Antonio Scarpinetti/Unicamp