DROGAS: 6 mitos sobre o “FUNDO DO POÇO”

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Quem já não ouviu falar do bordão “fundo do poço”? Comumente significa que se chegou ao nível mais baixo possível, é o nada de coisa nenhuma. Para a dependência química o termo está associado a uma maneira de exibir um contexto de que o adicto e/ou dependente de álcool e outras drogas atingiu o seu ponto mais baixo, que não tem mais escolha, a não ser desistir de usar drogas e procurar tratamento.

O significado de “fundo de poço” assume proporções diferenciadas de quem a apresenta: para o adicto é a rendição, a saturação do sofrimento causado pelas drogas, não necessariamente precisando estar em uma situação de miséria humana; para os familiares do dependente é o momento de mudança que tanto esperavam; para os especialistas é o melhor instante para que um tratamento produza bons resultados e para a mídia é a forma mais pura de um teatro do espetáculo, o entretenimento do caos e da dor da doença, a intervenção perfeita de um indivíduo sendo retirado de seu local de uso já com um roteiro pré-determinado para um final feliz – (quantos programas já não foram feitos desta maneira?).

Parece fácil, não? Mas a percepção do “fundo do poço” muitas vezes é equivocada, mascarando muitas ambiguidades sobre os fatos apropriados, podendo fazer mais mal do que bem.

MITO 1 – Tem que se chegar ao fundo do poço para querer o tratamento.

Muitas pessoas acreditam firmemente que para um tratamento ser bem sucedido os dependentes de álcool e outras drogas devem querer o tratamento, e que antes de desejar isto tem que chegar até o final da degradação física, mental e espiritual, tudo tem que piorar antes de melhorar. Bem a adicção é uma doença que progride com o tempo e o fundo do poço não é e nunca foi pré-requisito para a sobriedade, quanto mais se esperar maior será o dano físico e mental. Uma pesquisa do NIDA (National Institute Drug Abuse), capitaneada pela diretora Nora Volkow mostrou que nos internamentos involuntários a chance para um tratamento bem sucedido é igual aos dos internamentos voluntários.

MITO 2 – Que somente quando se chega ao fundo do poço é que se está preparado para o tratamento.

O conceito básico de se chegar ao fundo do poço e continuar descendo, cada vez mais, sorrateiramente, com o uso das drogas até que se tenha deixado absolutamente nada e passando do tempo suficiente, aí sim, finalmente, o dependente irá acabar sozinho, à beira da ruína financeira, com sequelas e espiritualmente destroçado. Seguindo o pensamento de fundo do poço, somos levados a acreditar que o adicto estará pronto para aceitar o tratamento somente quando estiver em seu ponto mais baixo. A verdade é que ninguém espera iniciar um tratamento. A coisa importante a lembrar, no entanto, é que a resistência não é baseada em um desejo ardente de ficar acorrentado às drogas… a resistência é baseada no medo.  Medo das dores de abstinência física. Medo de lidar com todas as emoções que são reprimidas com drogas e álcool. O medo é a única coisa que  impede de procurar tratamento. Quando se está forte o suficiente para olhar o medo na cara, se está pronto para aceitar de todo o coração a ajuda.

MITO 3 – O fundo do poço é igual para todos.

A adicção muda a vida de muitas maneiras, dizer ou fazer coisas que nunca seriam consideradas possíveis de se fazer antes do uso de álcool e outras drogas torna-se rotineiro, há que se alimentar o vício. A chave para entender o conceito de fundo do poço é reconhecer que é um processo único e depende de como você o encara, significa algo diferente para todos. Para uns, o fundo do poço pode ser a perda de um ente próximo; para outros pode ser a perda de um emprego. Não há um método experimentado e verdadeiro de prever o fundo do poço de cada um.  O importante não é o que o fundo do poço parece, mas o que ele representa.

MITO 4 – Não há nenhuma esperança de recuperação após se chegar ao fundo do poço.

Outro mito popular é que, se deixar o momento passar sem procurar tratamento, a esperança de se ficar em sobriedade não existe mais. Em teoria, o fundo do poço é um evento que desperta mudança. Algumas pessoas chegam ao seu fundo de forma rápida e aproveitam a oportunidade para pedir ajuda; outros nunca parecem chegar ao seu fundo de poço em tudo. A coisa a lembrar, no entanto, é que há sempre esperança. A recuperação não tem horário agendado e nunca há um ponto de não retorno. Vivemos em uma época em que há mais ferramentas de recuperação e opções terapêuticas disponíveis do que nunca. Se um dependente/adicto  passa por tratamento e recaídas um par de meses depois, isto não faz dele uma causa perdida. Significa apenas que ele precisa parar e tentar algo diferente, não importa quantas recaídas ou lapsos ocorrerem, nunca há uma razão para desistir.

MITO 5 – Que depois de se chegar ao fundo do poço a doença nunca mais se manifestará.

Sobreviver ao fundo do poço e passar por um tratamento bem sucedido não torna o dependente imune às tentações e armadilhas da doença. Muitas pessoas completam programas de tratamento de dependência química, apenas para recair poucas horas depois. Colocam-se em situações não seguras, sempre haverá obstáculos e solavancos ao longo do caminho, mas permanecer motivado e consistente é importante. Mesmo em face de uma recaída, o tratamento oferece benefícios, uma vez que essas habilidades de recuperação tornam-se respostas aprendidas automaticamente, a motivação para o retorno à recuperação é quase que instantânea.

MITO 6 – É melhor esperar o fundo do poço antes de procurar tratamento.

A verdade é que nem todo mundo tem um fundo para chegar. Este evento fundo do poço construiu-se um status de tal forma que muitos adictos sentem que têm de esperar para que isso aconteça antes de procurar ajuda. O fundo do poço tornou-se um lugar mítico onde finalmente admitir que já não se pode gerenciar suas vidas caóticas; que é suposto ser um momento crucial em que,  instintivamente sabem que as coisas nunca poderão ficar pior. O problema, no entanto, é que cada situação pode sempre ser pior.

Para ser franco, o único fundo do poço verdadeiro é a morte. É o único cenário em que não se tem controle ou a oportunidade de mudar as coisas. Mas em torno da morte há vida em tudo.

Para aqueles que querem ajudar, para aqueles que querem a mudança, é hora de estender a mão e levá-la. Você não tem que esperar por um sinal, você merece uma vida em recuperação.

 

Tradução e Adaptação de Luiz Carlos (Piti) Hauer de um texto do site DrugAbuse.com

perfil 3PITI HAUER é advogado com formação pela UFPR e habilitação específica em Ciências Penais, especializando-se em Dependência Química na UNIFESP, 1º Vice-Presidente da FEPACT – Federação Paranaense das Comunidades Terapêuticas, Membro do Conselho Estadual de Políticas Públicas sobre Drogas no Paraná (2014-2015), Colunista do Paraná Portal – “Vamos falar sobre Drogas?”, colaborador do site “Para Entender a Dependência Química” e com Curso de Extensão ao Crack: Tratamento e Políticas Públicas pela UNIAD.