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Indo na contramão do tratamento mais comum para alcoólatras – a abstinência –, a Oaks, casa de recuperação localizada em Ottawa, no Canadá, criada para quem já morou nas ruas, oferece uma dose de vinho por hora para seus internos.
Esta estranha abordagem, chamada de Programa de Gestão do Álcool (MAP, na sigla em inglês), foi desenvolvida por um grupo de profissionais de saúde há cerca de 15 anos e está disponível em diversas clínicas e cidades do país. O objetivo é oferecer um ambiente estável e mais saudável para dependentes de álcool que moravam nas ruas. Segundo a rede britânica BBC, este programa foi projetado para atender às necessidades de moradores de rua que já haviam tentado parar de beber e falharam.
Jeff Turnbull, um dos idealizadores do projeto e chefe do Hospital de Ottawa, disse à BBC que o “pensamento era que, se pudéssemos estabilizar a loucura de suas vidas, o dia que começa com a busca de álcool e todas as complicações que ele causa, então talvez pudéssemos fazer investidas para tratar sua saúde mental, dependência de álcool e suas doenças físicas”.
Turnbull conta que o projeto teve início após o caso de um alcoólatra chamado Eugene. “Nós o encontramos na rua com queimaduras. Ele não queria ficar dentro de casa no frio congelante por causa de seu vício em álcool. Então, nos perguntamos se não seria mais seguro se nós pegássemos um pouco de vinho e deixássemos ele beber. Eugene aceitou a proposta sem pensar. Ele ficou dentro do abrigo, a sua hipotermia melhorou e nós salvamos os dedos de seus pés”.
O programa existe desde 2010 e começou no Albergue dos Pastores, no centro, e no Oaks – um antigo hotel no oeste da cidade de Ottawa. Já o MAP de Ottawa iniciou-se em 2001 e é gerido por uma parceria de duas ONGs – os Pastores da Boa Esperança e o Ottawa Inner City Health.
Turnbull, que continua como o médico responsável do Oaks, recorda que a abordagem inicial foi bem controversa. “Eu recebi ameaças de morte. A comunidade de viciados é muito dividida sobre redução de danos. Mas há alguns projetos que veem a abstinência como o único tratamento para o alcoolismo”.
A lista de espera é longa. Antes de ser aceito na Oaks os potenciais residentes devem provar que podem viver dentro das regras do programa. Através de pensões e benefícios do Estado eles também contribuem para manter o seu próprio sustento – e o vinho, que é do tipo branco californiano com teor alcoólico de 13%.
Na primeira distribuição do dia, às 7h30, a maioria dos cerca de 50 internos recebe cerca de 200 ml do produto que é produzido no local. A quantidade é superior ao tamanho médio de um copo de vinho servido na Europa. No resto do dia até 21h30, eles tomam pouco mais de 140 ml por hora.
Entretanto, ao primeiro sinal de embriaguez, a pessoa não recebe outra dose e é convidada a se retirar para o quarto. Lucia Ali, uma dos funcionárias que trabalham na linha de frente do bar do Oaks, afirma que isso “não acontece com frequência, mas, se alguém está bêbado, peço para que vá para seu quarto dormir um pouco”.
Depois de pegar suas bebidas no balcão, eles passeiam na área comum ou tomam suas bebidas no pátio exterior, onde muitos acendem um cigarro. Os homens e as mulheres são, em sua maioria, de meia idade ou mais velhos. Alguns usam bengalas, andadores ou cadeiras de rodas. A saúde frágil é resultado de uma vida regada a álcool.
Há uma sala de TV e um computador no local. Há passeios e viagens de compras. É uma vida muito diferente do que muitos levavam nas ruas. Alguns dos pacientes têm contato com suas famílias. Outros estão esperando para ser voluntários ou até mesmo voltar a trabalhar.
Um estudo piloto realizado pela Universidade de Victoria, no Canadá, mostrou que a tática adotada pelo MAP melhorou a vida dos dependentes, reduzindo os custos e cuidados de saúde. De acordo com os resultados, houve uma redução no número de incidentes dos participantes do projeto com a polícia, uma diminuição de 70% nas admissões de desintoxicação e 47% nas admissões hospitalares.
Fonte: Revista Veja