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Através deste artigo, abordamos a questão do uso de álcool e drogas entre médicos. A repercussão estimulou a continuidade do assunto, dada a sua importância.
O uso de drogas por um indivíduo ou por um determinado grupo social passa a ser considerado como indevido ou problemático a partir do momento em que interfere negativamente em alguma esfera da vida, seja pessoal, social, da saúde ou ocupacional, entre outras.
De acordo com estes conceitos, deparamos com uma situação peculiar relativa ao uso de drogas entre médicos: supõe-se que o médico seja alguém investido da capacidade de curar e não da de adoecer. Mais ainda: considerando que tenha recebido um aprendizado voltado para a Medicina curativa, recorrerá a todos os meios disponíveis para salvar a vida do paciente. Portanto, não se espera que consuma algum tipo de substância que possa alterar o estado de consciência, podendo comprometer a capacidade de trabalho e colocar em risco a vida de pacientes.
Sendo assim, o ato de consumir drogas por parte de um médico passa a ser considerado “desviante” por diversas razões:
1) pelo fato de adoecer como “curador”;
2) por se considerar o uso de drogas uma conduta desviante per se; e
3) pela possibilidade de colocar outras vidas em risco.
Alguns grupos de médicos são considerados como de maior risco para o desenvolvimento de distúrbios emocionais. Os residentes, em especial os de primeiro ano, são mais suscetíveis ao desenvolvimento de estresse e depressão, apresentando taxas de prevalência maiores que as da população geral e de outros grupos profissionais.
De acordo com um estudo de revisão bibliográfica, os profissionais de saúde estão sujeitos ao uso indevido de substâncias psicoativas em porcentagem igual ou até superior à da população geral. Diversos fatores têm sido apontados como causas possíveis para o problema: o trabalho estressante, o trabalho em turnos, a dificuldade em lidar com situações-limite – como tragédias, acidentes e com a morte – e falta de reconhecimento do valor do próprio trabalho, entre outros.
A preocupação com o adoecimento do médico, espe-cialmente quanto aos problemas relacionados à saúde mental e dependências, começou a chamar a atenção das autoridades internacionais no século passado. Em 1973, a Associação Médica Americana elaborou um documento que considerou dever ético de todos os médicos reconhecer problemas de saúde mental em si e nos colegas.
Serviços de assistência à saúde do médico têm se revelado uma tendência em diversos países, fornecendo cuidados mais apropriados à natureza da clientela. Tais programas são disponíveis em todos os estados norte-americanos desde 1979 e em diversos países como Austrália, Japão e Inglaterra.
No Brasil, a Rede de Apoio a Médicos é um serviço resultante de um convênio entre o Cremesp (Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo) e o Centro de Estudos Paulista de Psiquiatria, visando fornecer atendimento a médicos com problemas relacionados ao uso de substâncias. A avaliação e o atendimento são feitos na Unidade de Pesquisa em Álcool e Drogas (Uniad).
Trata-se de um serviço pioneiro no Brasil, cujo objetivo é oferecer mais uma alternativa de tratamento para médicos com transtornos relacionados ao uso de substâncias, por meio de uma entrada rápida e simplificada ao tratamento (geralmente a primeira consulta é feita em 48 a 72 horas após o primeiro contato) e atendimento especializado em dependência de álcool e drogas. Fornece avaliação da dependência de álcool e drogas, avaliação de comorbidades psiquiátricas, motivação para o tratamento e gerenciamento de casos.
A substância mais utilizada pelos médicos que procuram atendimento é o álcool. A literatura mundial também cita o álcool como a mais prevalente, frequentemente associada com outras drogas de abuso, ainda que outras drogas possam chamar mais a atenção pelo potencial de desenvolvimento rápido de dependência e overdose.
Médicos fumam menos que a população geral. Ainda que o cuidado de pacientes tabagistas não tenha sido alvo deste serviço até o momento, muitos pacientes-médicos são fumantes e, nestes casos, são motivados a cessar o tabaco, e quando há prontidão para a mudança, o tratamento adequado é oferecido.
O uso de benzodiazepínicos parece estar fortemente ligado a suportar as pressões do dia a dia e como estratégia de automedicação. Drogas ilícitas como cocaína e maconha foram observadas frequentemente, bem como drogas cujo acesso é facilitado pela profissão.
Contrariamente ao senso comum de que médicos não são bons pacientes, uma vez aderidos ao tratamento, seu desempenho costuma ser melhor que o da população geral, sendo que os índices de sucesso variam de 27% a 92%, a depender do tempo de seguimento, características do atendimento e setting terapêutico. A maioria dos médicos – entre 75% a 85% – retorna ao exercício da profissão. Na amostra de médicos sob cuidados da Rede de Apoio a Médicos no último ano, o índice de pacientes que apresentou melhora clínica significativa foi de 69%, e 80% foram aderentes ao tratamento.
Fonte: Cremesp, em Trabalho e saúde mental dos profissionais da saúde