Açúcar, o doce sabor do perigo

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Como já mostramos aqui, uma pesquisa realizada por cientistas da Universidade de Queensland, na Austrália, comprovou que os efeitos do açúcar no cérebro foram comparados ao mecanismo responsável pelo vício em cocaína.

Agora, o açúcar está no centro de uma nova polêmica: documentos históricos que acabam de ser divulgados pela JAMA Internal Medicine, uma revista científica, provam que a indústria do açúcar dos EUA pagou cientistas nos anos 60 para que minimizassem a conexão entre o açúcar e doenças cardíacas, e para que promovesse a gordura saturada como responsável pelo problema.

Os documentos descobertos recentemente por uma pesquisadora na Universidade da Califórnia em San Francisco demonstram que uma associação setorial chamada Fundação da Pesquisa do Açúcar, hoje conhecida como Associação do Açúcar, pagou a três cientistas da Universidade de Harvard para que publicassem uma revisão das pesquisas sobre açúcar, gordura e doenças cardíacas, em 1967. Os estudos usados para a revisão foram selecionados cuidadosamente pela associação do setor de açúcar, e o artigo, publicado pela prestigiosa revista médica New England Journal of Medicine, minimizava a conexão entre o consumo de açúcar e a saúde cardíaca, e atribuía muitos efeitos nocivos à gordura saturada.

Ainda que o tráfico de influência revelado pelos documentos tenha acontecido quase 50 anos atrás, relatórios mais recentes demonstram que a indústria do alimento continua a influenciar a ciência da nutrição.

No ano passado, um artigo publicado pelo New York Times revelou que a Coca-Cola, maior fabricante mundial de bebidas açucaradas, havia fornecido milhões de dólares em verbas a pesquisadores cujo trabalho buscava minimizar a conexão entre bebidas açucaradas e a obesidade. Em junho deste ano, a agência de notícias Associated Press reportou que fabricantes de confeitos bancaram estudos segundo os quais crianças que comem doces tendem a pesar menos do que aquelas que não o fazem.

Em comunicado divulgado como resposta ao artigo da JAMA, a Associação do Açúcar afirma que a revisão de 1967 foi publicada em um momento na qual as revistas científicas tipicamente não requeriam que os pesquisadores revelassem a proveniência de suas verbas. O New England Journal of Medicine só passou a solicitar esse tipo de informação a partir de 1984.

O “JAMA” se baseou em milhares de páginas de correspondência e outros documentos demonstrando que, em 1964, estudos haviam começado a apontar para uma correlação entre dietas com alto teor de açúcar e a elevada incidência de doenças cardíacas nos Estados Unidos. Foi quando John Hickson, importante executivo da indústria do açúcar, discutiu com outras pessoas do setor um plano para influenciar a opinião pública e rebater as constatações alarmantes sobre o açúcar com pesquisas bancadas pelo setor.

Em 1965, Hickson buscou a ajuda dos pesquisadores de Harvard. Eles receberam US$ 6,5 mil, o equivalente a US$ 49 mil hoje, para que escrevessem uma revisão com o objetivo de negar os estudos negativos quanto ao açúcar.

De fato, depois que a revisão foi publicada, o debate quanto ao papel do açúcar nas doenças cardíacas morreu, enquanto dietas com baixo teor de gordura conquistaram o endosso de muitas autoridades de saúde.

 

 

Fonte: Folha de São Paulo