“A maconha muda tudo, e as pessoas precisam saber disso”

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A Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) incluiu os derivados da Cannabis sativa, a maconha, na lista de substâncias psicotrópicas, vendidas no Brasil com receita do tipo A, específica para entorpecentes.

A iniciativa, que faz parte da atualização da Portaria nº 344/98, permite que empresas registrem no país produtos com canabidiol e tetrahidrocannabinol como princípio ativo, passo necessário para venda de remédios.

A notícia, porém, ainda divide especialistas, como a bioquímica americana Marilyn Huestis.

Foto: Tadeu Vilani / Agencia RBS
Marilyn Huestis em foto de Tadeu Vilani / Agencia RBS

Com quase três décadas de estudo sobre a maconha, ela foi uma das principais convidadas da 21ª Conferência do Conselho Internacional sobre Álcool, Drogas e Segurança no Trânsito, realizada no mês de outubro deste ano na cidade de Gramado (RS).

Doutora em Toxicologia e professora da Faculdade de Medicina da Universidade de Maryland, ela atuou por mais de 20 anos no National Institute on Drug Abuse, órgão do governo dos EUA voltado à pesquisa. Para ela, o uso de uma droga ilegal para fins medicinais é “um problema de saúde e de segurança pública”. “Já estive em muitas legislaturas estaduais e posso garantir que as pessoas que estão decidindo não entendem as consequências disso. O meu trabalho, como cientista que tem estudado isso, é divulgar a informação científica”, disse ela em entrevista ao jornal Zero Hora.

Marilyn alerta que existem consequências a curto e longo prazo. “As de curto prazo, todo mundo consegue ver e entender. No Estado de Washington, seis semanas após a legalização, o número de casos envolvendo motoristas incapacitados pelo uso de maconha cresceu 25%. Está bem acima dos 30% agora”.

Quanto às consequências de longo prazo, a bioquímica diz que tem trabalhado muito com a exposição intrauterina às drogas e que a maconha afeta o desenvolvimento do bebê, a medida de circunferência da cabeça e o peso. “Há algo chocante acontecendo: obstetras do Colorado prescrevem maconha a gestantes para aplacar enjoos. Eles estão muito mal informados”.

Marilyn relata os resultados de estudos que acompanharam filhos de mães que usaram maconha na gravidez desde o nascimento até os 20 anos. “São crianças que apresentaram, a partir dos quatros anos, problemas de comportamento, aprendizagem da fala, memória e compreensão. Aos 11 anos, elas ainda tinham a circunferência da cabeça significativamente menor. Aos 15, o índice de uso de drogas era mais elevado — acho que isso não deriva da exposição à maconha no útero, mas, sim, do fato de crescerem em um lar onde os pais acham aceitável fumar maconha na gestação. Antes pensávamos que o cérebro já estava totalmente formado aos 18 ou 20 anos, e hoje sabemos que isso ocorre apenas perto dos 30. Há uma série de análises que apontam a redução do QI relacionada à quantidade de maconha que você usa. A maconha é especialmente prejudicial antes dos 17 anos, e há muitos adolescentes começando aos 12, aos 13, aos 14″, explica Huestis.

A portaria nº 344/98 citada pela Anvisa estabelece que laboratórios registrem os derivados em concentração de, no máximo, 30 mg de tetrahidrocannabinol (THC) por mililitro e 30 mg de canabidiol por mililitro. Entretanto, os produtos que tiverem concentração maior do que a estabelecida continuam proibidos no Brasil.

Segundo Marilyn, mais de 25 Estados nos EUA permitem o uso medicinal da maconha. “Temos uma droga ilegal com uso médico. Como fica a segurança? Como controlar esses usuários dirigindo?”, questiona a doutora em toxicologia citando estudos comprovando que o uso de maconha dobra o risco de acidentes graves. “A concentração no sangue de THC, o principal composto psicoativo da maconha, produz o mesmo efeito que uma dose pequena de álcool. É perigoso. O risco de um acidente com ferimentos graves ou morte é duplicado. As pessoas podem dizer: ‘E daí que dobra? O risco do álcool é muito maior’. É verdade, o álcool pode fazer muito mais do que isso, mas o dobro de risco em se tratando da droga da qual mais se abusa é um grande problema. Também mostramos que, quando o álcool e a maconha são combinados, o pico do álcool ocorre mais tarde. Muita gente sabe que pode tomar apenas duas cervejas e que tem de esperar algumas horas até poder dirigir. A maconha muda tudo, e as pessoas precisam saber disso. Uma das combinações mais comuns, álcool e maconha, é também uma das piores”, afirma.

Em nota, a Anvisa também esclarece  que a medida foi motivada pela fase final do processo de registro do medicamento Mevatyl® – produto, que em alguns países da Europa recebeu o nome comercial de Sativex, pode vir a ser o primeiro obtido da Canabis sativa registrado no Brasil. O medicamento será indicado para o tratamento de sintomas de pacientes adultos com esclerose múltipla.

Entre 2012 e 2013 o número de motoristas que haviam usado maconha e estavam dirigindo subiu 48% em apenas seis anos, nos EUA. E mais de 12,6% dos motoristas que dirigiam à noite tinham THC no sangue ou na saliva. “É um grande problema. E agora, com toda essa discussão sobre a maconha para fins médicos ou recreativos, como vamos controlar isso?”, questiona a bioquímica.

 

Fonte: ZH Vida & Estilo