Guerra das drogas: o que começou nos presídios pode transbordar para as ruas

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Camila Dias, doutora em Sociologia, professora da Universidade Federal do ABC e autora do livro Primeiro Comando da Capital – Hegemonia nas prisões e monopólio da violência afirmou, em entrevista à revista IstoÉ, que a revolta na penitenciária Anísio Jobim, em Manaus, que provocou a morte de 56 detentos, foi uma “tragédia anunciada”.

Especialista em questões de violência, Camila alerta que, devido às péssimas condições e a falta de controle do Estado, a guerra de facções pelo controle do narcotráfico que está por trás do massacre em Manaus não acabará em curto prazo. Para ela, o que começou dentro dos presídios “pode transbordar para as ruas”. Isso porque, no Brasil, os grupos que atuam de forma mais contundente na economia ilícita da droga, em sua distribuição nacional, são os mesmos grupos criados dentro das prisões e que tem justamente nas prisões o seu centro de atuação.

Os grupos a que Camila se refere são o PCC (Primeiro Comando da Capital, cujo carro-chefe é o tráfico de drogas, especialmente maconha e pasta-base de cocaína e seus derivados) e o CV (Comando Vermelho), consideradas as maiores facções criminais brasileiras. Mas uma nova sigla tem chamado a atenção neste conflito: a FDN (Família do Norte), uma facção que tem origem na região amazônica, especificamente no estado do Amazonas, e que há dez anos tem forte atuação na região Norte do Brasil e que pode ser considerada uma força emergente devido à sua posição estratégica nas fronteiras com Colômbia e Peru.

Mais exatamente em um ponto muito importante da Amazônia, localizado bem no meio do rio Solimões: a tríplice fronteira. Em uma margem está Santa Rosa, território peruano. Atravessando o rio Solimões fica Leticia, na Colômbia, e, bem em frente, Tabatinga, território brasileiro. De Tabatinga até a capital Manaus, são mais de 1600 (um mil e seiscentos) quilômetros de rio. A rota Solimões é um dos principais corredores de entrada de drogas no Brasil.

Em dezembro de 2016, agentes antidrogas peruanos apreenderam 50 quilos de cocaína que estavam camuflados dentro de uma geladeira em um barco em Yavari, cidade onde, assim como na já menciona Leticia juntamente com Santa Rosa e Iquitos, capital da Amazônia Peruana a nordeste daquele país, os traficantes aproveitam a via fluvial para fazer suas entregas.

De acordo com um informe de 2015 da Comissão Nacional para o Desenvolvimento e Vida Sem Drogas (Devida, na sigla em espanhol), organismo com a atribuição de desenhar a estratégia antidrogas a nível nacional, no Peru existem 40.300 hectares de cultivo de coca. Em 2014, eram 42.900. Entre as áreas com os maiores cultivos estão o Vraem, com 18.333 hectares; e La Convención y Lares, com 10.454; que representam 71,4% do total. De acordo com o jornal peruano El Comercio, 90% do cultivo de coca daquele país vão para o narcotráfico.

A Procuradoria Antidrogas peruana identificou ao menos dez importantes clãs da droga que exportam cocaína para o Brasil, mas admite desconhecer os métodos de ação utilizados pelas facções criminosas brasileiras.

Embora as Forças Armadas tenham reforçado os controles aéreos para reduzir as chamadas “narcoavionetas”, a fiscalização por via fluvial continua precária e a facção FDN quer agora justamente consolidar o domínio dessa rota, ocupando, assim, um vácuo de facções no Pará, e ter maior acesso à Bolívia, por meio de sua expansão no Acre e em Rondônia.

E isso não deve acontecer sem novas disputas, que podem incluir mais brigas em penitenciárias como em Manaus, já que, para executar seus planos, a FDN terá de quebrar o “cinturão” do PCC que envolve o Amazonas. Além disso, para consolidar o escoamento de suas drogas para o Nordeste, a facção amazonense poderá bater de frente com o PCN (Primeiro Comando do Norte), expressão do PCC fundado no Pará.

Ou seja, novas tragédias já estão (mais que) anunciadas.

 

Fontes: G1 e IstoÉ