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A combinação de longas jornadas de trabalho e excesso de pressão tem tornado alguns profissionais mais suscetíveis ao abuso de drogas, legais ou não. É o que constatam estudos como o da bióloga Daniele Mayumi, que realizou testes toxicólogos em 1.316 caminhoneiros parados pela Polícia Rodoviária Federal nas estradas paulistas, entre os anos de 2008 e 2012.
A pesquisadora, especialista do Laboratório de Toxicologia do Departamento de Medicina Legal da Faculdade de Medicina da USP (Universidade de São Paulo), encontrou drogas em 7,8% das amostras de urina coletadas, principalmente maconha, anfetamina e cocaína. “Outras três que também apareceram nas amostras foram morfina, metanfetamina e benzodiazepínicos”, diz Daniele.
“O consumo da maconha é feito para relaxar, nos momentos de descanso. Já o uso de drogas estimulantes (como cocaína e anfetaminas) ocorre com o propósito de mantê-los acordados e dirigindo por mais horas seguidas sem descanso, a fim de cumprir as entregas em um menor período de tempo”, diz Daniele. Esse foi o caso do caminhoneiro Lucas (nome fictício), 40, de Minas Gerais. Ele diz que usou “rebite” durante três anos e não tinha dificuldade em encontrar a droga. “Muitos frentistas, bares e restaurantes à beira da estrada vendem”.
A situação é tão grave que motivou o Ministério do Trabalho e Previdência a publicar no Diário Oficial da União (em 16 de novembro de 2015) uma portaria regulamentando a realização dos exames toxicológicos antes da contratação de motoristas profissionais de ônibus e caminhões. A norma entrou em vigor em março de 2016.
Não são apenas os caminhoneiros que recorrem às drogas para suportarem à dura rotina de trabalho. Outra categoria bastante vulnerável à dependência química é a dos profissionais de saúde, pelo fácil acesso a todo tipo de medicamentos, segundo um estudo publicado por médicos do Grupo Interdisciplinar de Estudos em Álcool e Drogas (GREA), da Faculdade de Medicina da USP, em 2012.
A técnica de enfermagem Clarice (nome fictício), 37, de Minas Gerais, foi uma dessas profissionais que viveu o drama da dependência química. Ela começou a usar um analgésico fortíssimo, que lhe dava condições de suportar os longos plantões do hospital onde trabalhava. “No início me ajudou muito, pois aumentou minha produtividade. Trabalhava em média 36 horas sem sentir cansaço. Com o decorrer do tempo, perdi o controle sobre a quantidade que consumia, o que me levou a usar cada vez mais”, conta Clarice.
Dos remédios, a técnica de enfermagem passou para a maconha e, depois, para a cocaína e o crack. “Perdi o emprego, minha família e até a guarda da minha filha. Quando me vi morando praticamente na rua, decidi parar”, diz Clarice.
A técnica de enfermagem precisou enfrentar várias internações até a superação do vício e, hoje, procura conscientizar outras pessoas: “Gostaria de dizer a todo mundo que passa por isso que não vale a pena, pois, mesmo que tenhamos um bom rendimento no trabalho, a droga sempre nos tirará tudo.”
Felipe Andrade, 30, coordenador terapêutico em uma clínica de dependência química de Belo Horizonte, conhece os danos causados pelo uso de drogas por experiência própria. Antes de se tornar terapeuta, foi empresário do setor de calçados, vivendo uma rotina de trabalho que começava as seis da manhã e só terminava às 11 da noite.
O consumo de álcool e crack era o jeito que encontrava para fugir da jornada estafante. “Acabei perdendo o controle da minha vida, não tinha horário para dormir, para comer, responsabilidade ou disciplina”, diz Felipe. Ele viveu nesse ritmo entre os 20 e os 23 anos.
Ao vencer o vício, a experiência de retomar o controle sobre a própria vida foi tão marcante que lhe determinou novos rumos profissionais: tornou-se terapeuta. “Ter conhecido algo que foi destruidor na minha vida me capacitou a ajudar outras pessoas”, diz o ex-empresário.
Fonte: UOL – São Paulo, via Revista La Paz