O desequilíbrio que vira vício

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Em 2015, os brasileiros ficaram aproximadamente três horas e 40 minutos conectados a internet por meio do celular – algo como 26 horas por semana, sendo que as redes sociais foram os produtos mais consumidos na telinha do smartphone. Os dados são da GlobalWebIndex, empresa que compila dados de comportamento do consumidor pelo mundo.

Naquele mesmo ano, de acordo com a National Purchase Diary Panel, companhia americana de pesquisas de mercado, 82% dos brasileiros entre 13 e 59 anos jogaram algum tipo de game. Seja no computador, seja no videogame, seja no celular, o estudo apontou que os gamers ficam, em média, 15 horas jogando.

sabemos que a dopamina é responsável pelo controle de diversos sistemas em nossa mente, entre eles seus mecanismos de recompensa, o que lhe valeu o apelido de “hormônio do prazer”. Esse neurotransmissor atua em diversas frentes: está envolvido com a memória, a regulação do sono, a motivação e o sistema de recompensa – circuito ativado toda vez que fazemos sexo, fugimos de algo perigoso ou sobrevivemos a um susto, por exemplo. Mas a recompensa vem de formas menos radicais também, como em comidas com muita caloria, pois o cérebro se sente feliz e julga esses alimentos como algo muito bom e necessário.

Em resumo, portanto, tudo que nos dá muito prazer induz liberação de dopamina e estimula o pedido de “quero mais!”. E é aí que mora o perigo.

Os vícios por drogas e por certos comportamentos são fisiologicamente parecidos porque ocorrem no mesmo lugar do cérebro. E ambos se sustentam em uma dependência bioquímica. Nosso cérebro equilibra a liberação de dopamina e outros neurotransmissores. A grande diferença é que o vício comportamental faz com que o cérebro tenha um desequilíbrio químico momentâneo. Quando esse equilíbrio é quebrado e a pessoa passa a ter vontade de sentir novamente aquela sensação prazerosa.

Isso explica como as substâncias dominam o cérebro. As drogas agem diretamente no mecanismo de reabsorção da dopamina ou até mesmo se disfarçam de neurotransmissor, causando mudança química no cérebro.

Diferentemente das drogas, nas redes sociais o prazer está em fazer parte de um grupo. Quando compartilhamos qualquer coisa com este grupo, esperamos que ele curta e comente. Se isso acontece, o cérebro entende que essa atitude é digna de recompensa e sentimos prazer. Caso contrário, surge a frustração. Como já vimos aqui, esta dependência gera problemas de sono, no desempenho acadêmico e no convívio social.

Como resultado da necessidade de megaexposição nas redes sociais, houve uma explosão de selfies. E, como vimos aqui, isso também já é considerado um tipo de vício e, como tal, uma doença – o selfitis ou selficídio.

No Reino Unido, a Sociedade Real para a Saúde Pública (RSPH, na sigla em inglês) pede ao governo britânico e às plataformas de redes sociais que instalem alertas pop-up em celulares, a serem ativados para pessoas que ficassem online por mais de duas horas. A proposta se segue a pesquisas e a manifestações de entidades de defesa infantil que argumentam que as redes sociais trazem malefícios aos jovens.

Em janeiro deste ano, mais de cem especialistas e organizações internacionais em saúde infantil pediram ao Facebook que extinguisse seu aplicativo de mensagens voltado a crianças com menos de 13 anos, o Messenger Kids, alegando ser “irresponsável” almejar estimular as crianças pequenas a usar a rede social.

Quanto ao Gaming Disorder, a partir deste ano a Organização Mundial da Saúde (OMS) passará a classificar o vício em games como um transtorno psiquiátrico. É claro que a maioria dos jogadores não se vicia e nem corre riscos de saúde por causa dos games, mas é sempre bom ficar alerta com relação à quantidade de horas frente ao computador, videogame ou smartphone.

Curiosamente, existem aplicativos de celular que incentivam deixar o smartphone de lado por alguns minutos e ainda dão recompensas virtuais por isso (neste caso, estimulando, justamente, os mecanismos de recompensa do cérebro). O Forest: Stay Focused (para Android) planta uma árvore para cada período longe de outros apps e o Moment (para iOS), avisa se o usuário passou tempo demais olhando para o celular.

Tornar o acesso às mídias sociais mais difícil, desabilitando as notificações, também é uma boa dica, assim como diminuir, aos poucos, o tempo dedicado às redes sociais. Isso também vale para os games: limitar a quantidade de horas de jogo e o número de partidas, intercalando com outras atividades que drenam as forças da compulsão, pode colaborar com o cérebro no controle da dopamina.

 

Fonte: Luiz Gustavo de Almeida (biólogo e pesquisador do Laboratório de Genética Bacteriana do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo) via Blog Cientistas Explicam