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Para os que frequentam as reuniões da organização mundial quase centenária, o Alcoólicos Anônimos (AA) é mais do que um grupo de ajuda mútua de recuperação para dependentes de álcool – é uma irmandade.
Esta irmandade foi analisada durante 25 anos pelo professor associado da faculdade de medicina da Universidade Harvard e diretor do Recovery Research Institute, nos Estados Unidos, John F. Kelly. A pesquisa focou os benefícios e mecanismos de mudança de comportamento frente ao álcool do modelo de 12 passos em comparação com a terapia comportamental cognitiva ou outros tratamentos ativos, como entrevista motivacional ou terapia de aprimoramento motivacional.
Publicada no periódico “Addiction”, a pesquisa comprova que as intervenções do AA funcionam por meio de múltiplos mecanismos, mas, principalmente, pelos aspectos sociocognitivos e afetivos.
As análises constataram que o método ajuda a aumentar a recuperação dos laços sociais e as habilidades de enfrentamento da dependência e a manter a motivação da recuperação ao longo do tempo. Consequentemente, também foram observados menores índices de depressão, egoísmo, autocentrismo, assim como dos sentimentos de raiva e de ressentimento entre os indivíduos que frequentam o AA.
O Brasil – país onde 9 milhões de pessoas com mais de 18 anos bebem uma ou duas doses por dia – tem quase 5.000 grupos do AA. Minas Gerais é o Estado com mais unidades (867), seguido por Rio de Janeiro (617), São Paulo (470) e Ceará (415), de acordo com o Centro de Informações sobre Saúde e Álcool (Cisa). Em nosso país o consumo de álcool per capita chegou a 8,9 L em 2016 e superou a média internacional, de 6,4 L por pessoa.
Arthur Guerra, psiquiatra especialista em dependência química e presidente do Cisa, acredita que o estudo serviu para comprovar a efetividade do método: “O AA cria condições para o desenvolvimento de uma reparação e melhora de autocuidados, evitando lugares e situações que estimulem o uso de álcool. É um interessante recurso de apoio que pode ser acionado a qualquer momento pelas centenas de unidades espalhadas no Brasil e no mundo”, afirma.
No entanto, o modelo praticado pelo AA ainda desperta controvérsias que o professor Kelly atribui aos aspectos espirituais, quase religiosos, do método. “As pessoas talvez acreditem que seja, de alguma forma, uma lavagem cerebral, uma seita ou um culto, ou que não seja científico. Talvez também porque seja difícil acreditar que os colegas sem experiência clínica ou treinamento possam produzir tal grau de benefícios que observamos”, analisa.
Mas é exatamente esse caráter espiritual, aliado, entretanto, a outros mecanismos, que tem feito o AA obter resultados tão bons, ou até melhores, quanto os de outras intervenções no que se refere à abstinência sustentada e à remissão do uso de álcool. Além disso, ele proporciona menores custos com cuidados de saúde para o enfrentamento da dependência. “Tem funcionado tão bem por tanto tempo porque atende a vulnerabilidade crônica das populações dependentes e reconhece que as pessoas precisam de apoio contínuo por muitos anos, mesmo após a remissão estável, além de estar disponível gratuitamente”, afirmou o autor da pesquisa.
Fonte: O Tempo