As vulnerabilidades na infância e adolescência brasileira

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Araceli Cabrera Sánchez Crespo foi uma criança brasileira assassinada violentamente em 18 de maio de 1973 aos 9 anos de idade. Seu corpo foi encontrado desfigurado por ácido e com marcas de extrema violência e abuso sexual. Os autores do crime, pertencentes a famílias influentes do Espírito Santo, jamais foram condenados, mesmo com fortes evidências de que este não foi o primeiro crime da dupla.

Posteriormente, a data da morte de Araceli foi transformada no Dia Nacional de Combate ao Abuso e Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes pelo Congresso Nacional.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) preconiza que a adolescência vai dos dez aos 20 anos incompletos. Mas, segundo o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), essa fase vai dos 12 aos 18.

Se não há consenso quanto à faixa etária exata que determina um grau de desenvolvimento completo para o desempenho das atividades referentes à infância e adolescência, é fato que a adolescência é uma fase marcada por grandes descobertas e instabilidade emocional, período no qual é consubstanciada a personalidade. Os adolescentes vivem uma constante busca para encontrar sua real personalidade, manifestando comportamentos extremos e, em determinados momentos, mostram-se negligentes com os cuidados à saúde.

A definição sobre vulnerabilidade remete à ideia de fragilidade e de dependência, que se conecta à situação de crianças e adolescentes, principalmente os de menor nível socioeconômico. Devido à fragilidade e dependência dos mais velhos, esse público torna-se muito submisso ao ambiente físico e social em que se encontra. Em determinadas situações, o estado de vulnerabilidade pode afetar a saúde, mesmo na ausência de doença, mas com o abalo do estado psicológico, social ou mental das crianças e dos adolescentes. Aliás, esta é a definição de saúde que a mesma OMS determinou em 1948.

Ou seja, a saúde é definida como qualidade de vida, dependendo de muitos fatores, como condições sociais, históricas, econômicas e ambientais nas quais o indivíduo se encontra. O estado de vulnerabilidade de muitas crianças e adolescentes no Brasil contradiz essa definição, uma vez que afeta diretamente a qualidade de vida dos cidadãos.

Aqui, as principais vulnerabilidades que acometem as crianças e os adolescentes são os riscos inerentes aos problemas relacionados ao alcoolismo e conflitos entre casais, que tornam crianças testemunhas de agressões e de toda forma de violência. Os riscos relacionados ao lugar de moradia incluem a precariedade da oferta de instituições e serviços públicos, a falta de disponibilidade dos espaços destinados ao lazer, as relações de vizinhança e a proximidade da localização dos pontos de venda controlados pelo tráfico de drogas. Além de todos esses riscos, podem-se destacar os riscos do trabalho infantil e o da exploração da prostituição de crianças. Ademais, a personalidade e o comportamento de crianças e adolescentes podem torná-los mais vulneráveis aos riscos do envolvimento com drogas, gravidez precoce e prática do roubo. Considera-se que o indivíduo poderá também possuir um favorecimento genético para dependência química e vulnerabilidade psicofisiológica ao efeito de drogas.

Os índices de violação dos direitos das crianças e dos adolescentes, no Brasil, ainda se apresentam elevados, mesmo que os números indiquem tendência de queda. As principais formas de transgressão dos direitos contra esse grupo são o abandono, o trabalho precoce a exploração sexual.

Some-se a isso, o fato de que a adolescência é caracterizada por mudanças profundas na vida de um indivíduo. E as diferenças físicas e psíquicas acabam por fazer com que os adolescentes se tornem mais vulneráveis ao consumo de bebidas alcoólicas e ao uso de drogas psicotrópicas. O consumo de álcool pode se relacionar à busca de aceitação em um determinado grupo social. Embora as leis brasileiras, entre elas o ECA, proíbam a venda de bebidas alcoólicas para menores de 18 anos, o consumo de álcool pelos adolescentes no Brasil é preocupante, sendo fortemente induzido pelas estratégias publicitárias, e tem gerado problemas, tanto sociais como no âmbito da saúde. As estatísticas da Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS) demonstram que, entre os problemas sociais e de saúde envolvendo o consumo de bebidas alcoólicas, incluem-se acidentes e mortes no trânsito, homicídios, quedas, queimaduras, afogamento e suicídio. Tais dados revelam a magnitude do problema para as diferentes esferas da sociedade, entre essas o setor de saúde, principalmente diante da constatação de que 25% de todas as mortes de jovens entre 15 e 19 anos são atribuídas ao álcool.

A realidade de vida na rua expõe os indivíduos a uma série de fatores de risco, como o uso de drogas, a prostituição por sobrevivência e a falta do suprimento das necessidades básicas, colocando-os em uma situação de extrema vulnerabilidade. Isso ocasiona consequências negativas em relação à saúde.  Entre essas consequências, encontram-se as dependências químicas, doenças sexualmente transmissíveis, lesões por acidentes, gravidez indesejada e morte prematura resultante de suicídio ou homicídio.

De forma geral, as vulnerabilidades das crianças, adolescentes e de suas famílias manifestam-se em violência cotidiana no contexto familiar e escolar. A falta de oferta de uma educação de qualidade, os baixos salários e o desemprego afetam também a trajetória de vida desses brasileiros, obrigando-os a se inserirem precocemente no mercado de trabalho e/ou no tráfico de drogas.

No Brasil, ainda há um longo caminho a se percorrer na garantia do direito integral à saúde, conforme assumido nas leis brasileiras. Devem-se desenvolver estratégias que vão desde a orientação dos pais ou responsáveis até a criação de abrigos, programas comunitários, além de investimento em pesquisas sobre o assunto para possíveis articulações de novas propostas de intervenção aos riscos na infância e na adolescência para que o dia 18 de maio se torne, apenas, uma data de reflexão e não de lamento.

 

Fonte: Revista Paulista de Pediatria