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Entre todas as dependências, sem duvida nenhuma, a química é a mais devastadora, pela amplitude física, moral, social, econômica e espiritual que abrange. Há décadas estamos assistindo abismos individuais e coletivos se abrindo dia após dia, cavados por uma “indústria” fratricida que tem na ganância a lei número 1 do seu estatuto de desumanidade.
Diante deste quadro, que parece nunca perder força, é impossível que não nos perguntemos, estando ou não envolvidos diretamente com o problema (porque indiretamente todos estamos), o quê fazer? Qual a esperança de mudança?
Do meu ponto de vista, baseado no tempo em que trabalhei mais diretamente com jovens dependentes e suas famílias, mesmo que de maneira quase anônima, a solução parte do pequeno para o grande; do espaço limitado da família para o ilimitado social das relações humanas. Mesmo com as mudanças de estilo e formato familiar que estamos vivenciando, salutar para o progresso da sociedade, o âmago familiar ainda é o fulcro indiscutível de prevenção contra a dependência química (e tantas outras). Escola, meio social, governo, são passos seguintes, mas que não estão sob o nosso controle direto.
Não há família sem conflitos, pois ela é o primeiro contato das pessoas com as suas próprias necessidades de evolução. Porém, os conflitos e diferenças não podem insuflar o personalismo a ponto de sobrepor a racionalidade dentro de um núcleo familiar. Mesmo com as diferenças, sempre há que se pensar na proteção contra todos os agentes externos causadores de danos. E que agente externo causador de danos é a droga! Mas, qual a primeira ação efetiva de defesa? Na minha opinião, o principal mecanismo de defesa resume-se numa sequência de ações, resumidas em duas palavras, sendo que a primeira é ATENÇÃO.
Imaginem que uma árvore venenosa, que pode ficar muito grande, nasce no seu jardim. Uma árvore muito resistente e de madeira muito, muito dura. Quantas machadadas você vai ter que dar para derrubá-la quando estiver acima do telhado da sua casa? Quanto barulho, quantas lascas pontiagudas se espalhando, quanto estrago ao redor quando cair? Pode quebrar telhado, derrubar paredes, estragar as rosas e jasmins. Não seria muito mais fácil arrancar a árvore venenosa quando ainda pequenina?
Atenção é a palavra. Atenção é a ação efetiva, concreta, preventiva. Na maioria das vezes não somos hábeis em lidar coerentemente com os problemas da dependência já instalados. Porém, com atenção desde o início, eles talvez não se instalem. Se um pai, mãe, irmão, estiver atento, vai descobrir os primeiros sinais da invasão externa deste mal sem limites. Aí vem a segunda ação efetiva, também resumida em uma palavra: HUMILDADE.
Por que humildade? Se você for arrogante, dirá que consegue cortar a árvore venenosa a qualquer momento e quando descobrir que não consegue sozinho, tentará escondê-la com véus impossíveis. Portanto, é necessário ser humilde para entender que o problema precisa ser partilhado. A família precisa “abrir” o problema com pessoas de confiança, e profissionais de confiança, se for o caso. Esta árvore cresce mais rapidamente quando é escondida, abafada. E como cresce rapidamente!
A partir destas duas palavras, tão recheadas de ação, temos um patamar seguro para a solução do problema antes que a árvore venenosa fique mais alta do que o telhado. Desatenção e orgulho, por sua vez, são adubos de excelente qualidade para ela. Atenção e humildade são o alicerce sólido onde as soluções se desenvolvem, com nuances diferentes para cada situação familiar, pois, embora o problema seja comum, tamanha é sua amplitude (mundial), as famílias não se comportam, pelos mais variados fatores, de forma igual.
De uma maneira geral esperamos ações de fora para nos proteger ou resolver problemas já instalados. É evidente que os governos têm que se dedicar a programas tão extensos quanto intensos na prevenção e tratamento à dependência química, porém, isso fica fora do nosso alcance mais próximo como cidadãos. Próximo está a atenção em relação ao assédio da droga. Próxima está a humildade quando ela já se infiltrou pelos desvãos das nossas fraquezas. São ações imediatas. Amor, diálogo, compreensão, carinho e paciência, paciência, paciência, paciência, paciência, paciência, virão na sequência, e são todos fatores que somente nos farão crescer como seres humanos.
Comecem, senhores pais, mães, responsáveis familiares, pela atenção, dia a dia, e, se necessário, sejam humildes e procurem ajuda rapidamente. A sua célula familiar estará segura. As células familiares próximas à sua a tomarão como exemplo e o ciclo de crescimento se ampliará a ponto de cada coletividade formar seu pequeno exército de defesa contra este inimigo, tão grande e nefasto, que, às vezes, o achamos invencível. Mas não é.
MAURO CAMARGO nasceu na cidade de Rebouças, Paraná, em 25/07/1962. Formado em odontologia pela Fundação Universidade Estadual de Ponta Grossa e pós-graduado em endodontia pela Universidade Federal de Santa Catarina. Reside nas cidades de Balneário Camboriú e Florianópolis. Publicou os livros Bala, perdida?, Ana cabeluda do pano na cabeça, Paris, setembro de 1793, O magneto, Eu queria ser Bezerra de Menezes, Alor, uma viagem ao futuro do espírito, Contos de Natal e Perdão.