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Como já mostramos nesta matéria, o Brasil é um dos maiores mercados consumidores de cocaína, com uma prevalência que supera a dos Estados Unidos e em quatro vezes a média mundial. E já mostramos também, neste outro artigo, que ao mesmo tempo em que o número de fumantes no Brasil caiu 30,7% nos últimos nove anos, o índice de usuários de produtos contrabandeados ou falsificados entre a população fumante deu um salto de 2,4% para 3,7%.
Mas tem mais.
Os adultos brasileiros bebem, em média, 8,7 litros de álcool puro por ano – quantidade que já foi maior, mas continua sendo uma das mais altas nas Américas e supera a média mundial, segundo um recente informe da Organização Mundial da Saúde (OMS).
De acordo com a medição, baseada em dados compilados entre 2008 e 2010, o país tem a nona maior média de consumo alcoólico, entre 35 países pesquisados no continente (veja a tabela abaixo).
Nos três anos anteriores, os adultos brasileiros consumiam 9,8 litros de álcool puro, terceira maior média do continente.
Segundo a brasileira Maristela Monteiro, assessora principal sobre abuso de substâncias e álcool da OMS, há uma cultura de consumo de álcool instalada na América Latina, criando um importante problema de saúde pública regional.
Na América Latina e no Caribe, as pessoas consomem em média 8,4 litros de álcool puro por ano, 2,2 litros a mais do que a média mundial, diz a OMS
A consequência é que, em 2012, houve uma morte a cada 100 segundos em decorrência do álcool – 80 mil mortes poderiam ter sido evitadas naquele ano caso o consumo de álcool não tivesse ocorrido.
“Em geral, o consumo de álcool e os danos resultantes são relativamente altos nas Américas, em comparação às demais regiões do mundo”, aponta o estudo.
O consumo per capita por homens brasileiros é de uma média de 13,6 litros de álcool puro por ano, segundo medição feita pela OMS com adultos entre 2008 e 2010. Apenas cinco países da região superam esse nível de consumo.
Entre as mulheres brasileiras, o consumo per capita é de 4,2 litros de álcool puro por ano.
O relatório da OMS cita outro estudo que identifica o álcool como a maior causa de mortes entre jovens brasileiros entre 15 e 19 anos. E, “ainda que o Brasil tenha repetidamente imposto leis para baixar o limite legal de teor alcoólico no sangue e aumentar as penas para quem bebe e dirige, esses esforços não têm tido efeitos duradouros na segurança viária”, aponta o texto.
Além disso, a organização calcula que o consumo de álcool contribua com mais de 200 doenças ou lesões, como cirrose hepática e alguns tipos de câncer. Também torna as pessoas mais suscetíveis a doenças infecciosas, como HIV e tuberculose, e menos receptivas ao tratamento.
A cerveja é apontada como a bebida alcoólica mais popular na região: representa 55% de todo o álcool consumido, seguida por destilados como vodca e uísque (cerca de 30%) e o vinho, com quase 12%.
Mas o que explica o alto consumo de bebidas alcoólicas na região?
“Algo está mudando na América Latina”, diz Monteiro à BBC Mundo. “Nunca houve uma forte cultura de consumo na região, mas o desenvolvimento econômico e novos valores importados da globalização estão fazendo com que o consumo excessivo e abrupto seja uma tendência.”
Além disso, Monteiro menciona fatores como o crescimento da indústria de bebidas.
“O álcool chega a todas as partes: foram melhoradas as cadeias de distribuição, há mais estabelecimentos e oferta e tampouco é desprezível a pressão que a indústria sabe exercer sobre os governos para que os preços do álcool fiquem baixos e não haja regulações.”
A situação tem piorado, segundo a OMS: em 2005, 18% dos consumidores masculinos relataram ter tido episódios de forte consumo de bebidas alcóolicas (quatro ou cinco bebidas em ao menos uma única ocasião ao longo de 30 dias). Essa porcentagem subiu para quase 30% em 2010.
Entre consumidoras mulheres, essa porcentagem também subiu, de 4,6% para 13% no mesmo período.
Na região, um a cada cinco consumidores (22%) pratica episódios de consumo alcoólico excessivo, contra 16% da média global.
Para Monteiro, um dado particularmente relevante é que apenas 10% dos consumidores bebem, em média, mais de 40% de todo o álcool consumido na região.
“Não se trata de tomar uma quantidade moderada por gosto ou por saúde, como por exemplo, o vinho. O consumo se concentra em grandes doses”, diz a especialista. “Especialmente entre os jovens, que o veem como uma espécie de ritual com prestígio social.”
Em 2010, cerca de 14 mil jovens de menos de 19 anos morreram na região por motivos relacionados à bebida alcóolica.
“A América Latina e o Caribe estão pagando um preço alto em saúde, recursos financeiros e produtividade” por causa desses excessos, observa Anselm Hennis, diretor do Departamento de Doenças Não-Transmissíveis e Saúde Mental da OMS.
Para Monteiro, “o álcool não afeta só quem bebe. Aumentam os episódios de violência e os acidentes de trânsito e baixa a produtividade do país por culpa não só de faltas ao trabalho, mas sim pelo que se conhece como ‘despresentismo’, ou seja, pessoas que chegam ao local de trabalho sem forças (pelo efeito do álcool).”
Ela defende que os governos elevem os impostos sobre o álcool, para encarecê-lo; limitem horários e dias de venda de bebidas nos estabelecimentos; subam a idade legal mínima para o consumo; e reduzam ou proíbam sua publicidade (70% dos países não têm regulamento para tal).
Monteiro também fala em uma mudança cultural e educacional. “É preciso acabar com o prestígio social de beber álcool”, diz.
Definição clássica de quem não quer parecer nem irresponsável nem careta, “beber socialmente” equivale ao que os especialistas classificam como “risco moderado” de alcoolismo. Entra nessa categoria quem consome até 3 doses diárias de bebida alcoólica – na classificação-padrão, 1 dose equivale a 1 latinha de cerveja, uma 1 taça de vinho ou meros 25 mililitros de destilados, como uísque e vodca (ver abaixo).
Acontece que há uma linha tênue entre bebedores sociais e antissociais. Nesse sistema, a categoria acima do “risco moderado” já é “risco em crescimento”. Quem estiver nas 4 doses diárias deve ficar atento.
Mas atenção: passar de 3 doses diárias não quer dizer que você esteja virando alcoólatra. “A dependência do álcool não é diagnosticada tendo como critério único, e nem principal, a quantidade de álcool que uma pessoa bebe, mas a relação com o álcool que a pessoa tem, ou seja, o quanto o consumo atrapalha sua vida”, explica a pesquisadora Ilana Pinsky.
Risco de alcoolismo conforme consumo diário de álcool
1 dose* – risco baixo
2 doses* – risco leve
3 doses* – risco moderado – Limite de “beber socialmente”
4 doses* – risco em crescimento
5 ou + doses* – risco avançado
*1 dose = 350 ml (lata) de cerveja, 90 ml (taça) de vinho ou 25 ml de destilados
Fontes: BBC Brasil, Associação Brasileira de Estudos do Álcool e Outras Drogas (Abead) e National Institute of Alcohol Abuse and Alcoholism