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Na metade da década de 80, os índices de criminalidade em Nova York atingiam recordes históricos, muitas vezes motivados pelo tráfico de drogas.
Numa realidade bem parecida com a dos paulistanos atualmente, há 25 anos uma epidemia de crack assolou a cidade, fazendo surgir regiões em que o medo fazia parte da vida dos moradores locais – a cracolândia made in USA.
A cidade mais populosa dos EUA tinha sua cracolândia localizada bem no coração de Manhattan, entre as ruas 40 e 42, a uma quadra da maior estação de trens do mundo e um dos cartões postais da cidade, a Grand Central.
Como sua versão tupiniquim, a cracolândia de Nova York costumava ser um mercado de drogas a céu aberto cercado por traficantes, viciados e mendigos. De acordo com um estudo realizado pelo Bureau of Justice Statistics mostrou que o uso de crack estava relacionado a 32% de todos os 1.672 homicídios registrados em 1987, e a 60% dos homicídios ligados às drogas.
Os traficantes se estabeleciam em edifícios abandonados e assumidos pelo governo de Nova York por conta de impostos atrasados – locais que ficaram conhecidos como crack houses. Os usuários costumavam dirigir dos subúrbios até a área central de Manhattan para comprar a droga. Como nos EUA há uma lei afirmando que se drogas forem encontradas em um carro a polícia pode apreender as drogas e o carro, isso facilitava a abordagem policial.
Na época, esta abordagem consistia em aumentar os reforços policias na região, posicionando um policial posicionado a cada esquina, quase que 24 horas por dia. O objetivo era prender os traficantes que ficavam perambulando pelas ruas. Mas como o consumo não chegava a ser controlado, a estratégia fortaleceu ainda mais as crack houses.
Entrou em ação, então, uma operação chamada Pressure Point. O foco eram as organizações criminosas espalhadas pelos bairros. Uma das estratégias era colocar policiais à paisana orientados a comprar drogas com o objetivo de aprender mais sobre o tráfico. Além disso, oficiais foram colocados no topo de prédios para observar a ação dos criminosos. E o número do efetivo também aumentou: entre 1991 e 2001, a força policial de Nova York cresceu três vezes mais do que a média nacional (45%).
A aplicação de leis severas, já existentes, como a lei Rockefeller, foi responsável pela explosão no número de condenações por posse de drogas, passando de 2.554 em 1980 para 26.712 em 1993. Criada em 1973 – portanto bem antes da epidemia –, a lei estabelecia sentenças mínimas obrigatórias de 15 anos até a prisão perpétua por posse de cerca de 110 gramas de qualquer tipo de droga. Entre os jovens levados à prisão, 70% usavam crack em 1988, contra 22% em 1996.
No início da década de 1990, Rudolph W. Giuliani, então prefeito de Nova York, instaurou a política de tolerância zero, com o objetivo de eliminar por completo a conduta criminosa e as contravenções. Durante sua administração, Giuliani reduziu pela metade as taxas de criminalidade de Nova York, impondo punições automáticas para qualquer tipo de infração, como a pichação, por exemplo.
Mas os usuários de crack não ficaram sem uma alternativa. Na Flórida, por exemplo, foram criados os drugs courts – tribunais formados por uma equipe com advogados de defesa, promotores, especialistas em saúde mental e em serviço social, todos especializados em atender usuários de drogas. Os que eram pegos com uma pequena quantidade de drogas (até 28 gramas) podiam ter a sentença reduzida ou até a ficha criminal cancelada se não tivessem cometido delitos graves, como homicídios. Em troca, tinham que frequentar um programa de internação voluntária, com regras e condições previamente estabelecidas entre o réu, advogado de defesa, a acusação e o tribunal.
Nova York liderou a expansão e a institucionalização das drug courts nos Estados Unidos. Atualmente, são cerca de 180 tribunais de drogas em operação no estado. Até setembro de 2010, 60.588 pessoas participaram dos programas de tratamento oferecidos pelos tribunais de Nova York e 24.423 finalizaram o programa.
Além da legislação mais dura, combinada à ação policial respaldada pela política de tolerância zero, o crescimento econômico e mudanças demográficas, como o envelhecimento da população, também são apontados como os principais fatores responsáveis pela redução de cerca de 80% nas taxas de crimes em geral em um período de 20 anos. Em 2010, Nova York registrou 536 homicídios.
Para alguns especialistas, soma-se a isso o fato de que os efeitos destrutivos do crack tornaram-se aparentes, fazendo com que os novos usuários, com medo do poder maléfico da droga, ficassem longe da pedra.
Apesar de alguns discursos indicarem uma necessidade de se combater a miséria e aumentar o índice de emprego como forma de se combater a cracolândia, o combate ao crack é um problema de saúde pública e de segurança pública e deve ser combatido nas duas frentes. Nos EUA, foi feita uma abordagem combinando a aplicação da lei com a prevenção e tratamento.
Um bom exemplo é outro programa, batizado de HOPE (“esperança”, em inglês, iniciais de Hawaii’s Opportunity Probation with Enforcement). Criado em 2004 no estado do Havaí, o programa consiste em reduzir as violações de liberdade condicional por infratores da legislação antidrogas. No projeto, os réus são submetidos a exames periódicos, feitos de surpresa, para confirmar se eles realmente abandonaram as drogas. Se o resultado der positivo ou se descumprirem qualquer termo da condicional, eles são presos imediatamente.
Fonte: Revista Veja