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A expressão cansada no rosto de Vagner Francisco dos Santos denuncia a experiência de alguém que já passou por situações difíceis. Seu olhar é o de um homem que parece ter vivido mais do que seus 43 anos. Porém, quem o vê, com seu físico esguio, correndo pela manhã no Parque da Luz, no centro de São Paulo, provavelmente irá pensar: está ali um legítimo corredor.
Essas impressões não estão erradas. Também não são contraditórias. Vagner começou a ter problemas com drogas em 1989. Chegou ao crack e hoje é um dos muitos dependentes químicos que buscam o auxílio do Cratod (Centro de Referência para Álcool, Tabaco e outras Drogas). O órgão do Governo de São Paulo funciona pertinho da região paulistana conhecida como Cracolândia, e tem nos esportes uma de suas ferramentas para tratar os viciados.
Cerca de 90% dos dependentes que chegam ao Cratod vivem na rua ou em albergues. São usuários das mais variadas drogas, do álcool ao crack. No Cratod, passam por um processo de desintoxicação, recebem cuidados médicos e podem participar de oficinas de arte e de esportes. Têm à disposição uma academia de musculação, aulas de yoga e corrida e jogos coletivos como futebol, basquete e vôlei.
As atividades são realizadas em horários pré-determinados ao longo da semana e participar delas não é obrigatório para ninguém. Por conta disso, por mais incentivo que os pacientes recebam para seguirem em frente, o envolvimento deles varia bastante. Não é incomum que sumam depois de algum tempo de tratamento. Eles sofrem recaídas, entram para o mundo do crime ou são presos. Nesses casos, não há muito que os profissionais da entidade possam fazer, apesar de, em alguns casos, terem permissão para procurar pelo paciente.
Felizmente, esse não é o caso de Vagner hoje. Ele é um assíduo frequentador das oficinas de esporte. Paciente do Cratod desde 2011, conseguiu recuperar o condicionamento físico e os reflexos mesmo após os muitos anos como usuário de drogas. Tanto que agora ele pode contar, orgulhoso, que já correu maratonas e participou de várias corridas de rua. Inclusive da São Silvestre. Além disso, é o atual bicampeão de tênis de mesa da Copa da Inclusão, evento esportivo, cultural e terapêutico organizado pela ONG Sã Consciência.
“É difícil recomeçar a fazer esportes depois de um tempo usando drogas. Você volta muito debilitado, tem que ir ajustando o treino”, conta Vagner. “Eu gostava de praticar esportes, corria, jogava bola. Mas aí conheci as drogas e fui me afastando”, relata ele, que diz agora usar o esporte para se manter “limpo e focado”.
Não que tudo seja uma maravilha para a entidade. Sua estrutura física, uma bela casa da década de 30 localizada ao lado do Parque da Luz, é claramente acanhada para as suas necessidades. A quadra, apesar de nova, é pequena, e a academia tem apenas algumas esteiras, um aparelho e pesos para musculação. Uma defasagem compensada principalmente pelo trabalho dos profissionais que lá atuam, caso dos técnicos em reabilitação física Fabiano Siqueira e Wellington do Prado. Eles trabalham com uma equipe que inclui outras cinco pessoas.
“Muita gente acha que a educação física é algo meramente recreativo. Com o nosso trabalho, mostramos que a atividade física pode ajudar a reabilitar um dependente químico”, diz Fabiano. Ele explica que o prazer proporcionado pelo esporte pode substituir o proporcionado pelas drogas. O mesmo vale para uma rotina de atividades físicas, importante para o viciado deixar para trás seu dia a dia de uso de entorpecentes. “Além disso, para alguns pacientes, voltar a fazer esportes é um resgate da infância”, conta Fabiano.
Emerson Vasques é outro paciente que tem no esporte seu principal apoio na briga contra a dependência. Também com 43 anos, ele diz que usa drogas há 32 anos e também já chegou ao crack. Quando conversou com o UOL Esporte, estava há cinquenta dias abstinente. “O esporte está me trazendo uma nova vida. O que eu sentia com a droga, hoje sinto com a corrida e o basquete”, diz Emerson.
Um bom exemplo dessa “substituição” da droga pelo esporte está em uma corrida de rua promovida pelo Sesc de São Paulo. Parte do seu trajeto está justamente na Cracolândia, e alguns pacientes do Cratod que participaram da prova já estiveram naquelas ruas antes usando drogas. Vagner é um deles. “Com certeza, quando era eu quem estava ali, jamais me imaginei passando como um corredor”.
A corrida envolve foco, persistência, um objetivo. “É uma metáfora para o tratamento”, acredita Wellington.
Fonte: UOL Notícias