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Mary Poppins já tinha 30 anos em 1964, quando estreou no cinema. A busca pelos direitos autorais, porém, levou duas décadas – algo que nem Walt Disney, dono da maior fábrica de filmes infantis do mundo, poderia imaginar quando prometeu às suas filhas, leitoras vorazes das aventuras da personagem, que faria um filme sobre aquela babá que viaja de guarda-chuva e que surgiu pela primeira vez em um 1934. Poppins era fruto da imaginação da escritora P.L. Travers, uma mulher enigmática que se passava por inglesa mas, na verdade, era uma australiana chamada Helen Goff e que morreu em Londres no ano de 1996.
Acostumado a ter controle sobre suas produções, Disney enfrentou uma escritora intratável, rabugenta, que desprezava os desenhos animados e não tinha nenhuma intenção de deixar sua adorada babá mágica ser maltratada pela máquina de Hollywood. Mas, conforme as vendas do livro caíram e a grana foi ficando escassa, Travers relutantemente concorda em ir a Los Angeles em 1961 para ouvir os planos de Disney. Não sem boas doses de fúria, porém.
A autora exigia que todas as reuniões fossem gravadas e implicava com tudo, do bigode usado pelo Sr. Banks no filme até o uso da cor vermelha. O filme não teria música, Dick Van Dyke não seria o limpador de chaminé que você mais respeita e as cenas com animações seriam eliminadas. Em resumo, pela (má) vontade de P.L. Travers, o filme sequer seria feito e o mundo não conheceria o significado de supercalifragilisticexpialidocious.
Não se sabe exatamente as razões de Travers para resistir, durante tanto tempo, em vender os direitos para Disney. Tudo indica que a trama em torno da personagem é muito próxima da biografia da própria Travers, que teria usado lembranças sombrias de sua infância e as transformado em algo positivo para as crianças. Uma espécie de caixa de memórias, cheia de tragédias, que ela não queria abrir.
Em cada discussão entre a criadora de Mary Poppins e a equipe de adaptação – roteirista, desenhista e o responsável pela trilha sonora – Travers relembra a sua difícil infância ao lado de uma mãe depressiva e de um pai alcoólatra, desconectado da família pelo trabalho no banco.
Apesar de ser um homem sonhador que arrastou esposa e três filhas para uma zona rural nos confins da Austrália, Travers Goff, o pai da escritora, além de sofrer com o alcoolismo, que destruiu sua vida, era uma pessoa emocionalmente instável e alguém difícil de confiar. Ele é é a base para o patriarca da história de Mary Poppins, Mr. Banks, personagem do livro que a famosa babá de ficção vem ajudar. Diferente do livro, porém, o filme de Disney tem um final feliz para o personagem que, na vida real, morreu de pneumonia quando Pamela tinha apenas 8 anos.
Essa mudança pode estar relacionada ao fato de que o próprio Walt compreenda a questão de que o sofrimento vivenciado por uma criança determina o que ela vai fazer na vida. Muitos autores infantis tiveram infâncias terríveis, e Disney não foi exceção. Na infância, seu pai lhe dava tantas surras de chicote que o garoto chegou a duvidar que ele era mesmo seu pai.
Além disso, vários biógrafos dizem que Walt era alcoólatra. Seu café da manhã favorito seriam roscas frescas molhadas no uísque. Várias vezes, a bebedeira teria afetado o casamento com Lilian Bounds. Também fumava quatro maços por dia e, à noite, só dormia com sedativos e goles de scotch. O mix comprometia sua fala, seus movimentos e seu temperamento. Um dia, bêbado, ele inventou de bancar o maquinista da ferrovia em miniatura que havia construído no quintal de sua casa (sim, ele construiu uma mini ferrovia no próprio quintal). Disney perdeu o controle do trenzinho, arrebentou o muro da casa e acabou indo parar dentro de sua sala, quase matando as pessoas que estavam lá – incluindo suas filhas, as fãs de Mary Poppins.
Cujo filme, aliás, ganhou 5 Oscars, se transformou em um clássico infantil e rendeu mais de cem milhões de dólares (rendeu mais do que recordistas de bilheteria do período como A Noviça Rebelde, com a mesma Julie Andrews de protagonista), deixando P.L. Travers milionária para o resto da vida – mas ela, claro, odiou o filme.
Talvez porque logo na primeira cena percebemos que o Sr. Banks está usando um paletó de veludo vermelho, indicando quem foi o ganhador na batalha pela polêmica cor…
Fontes: Superinteressante, IstoÉ & Câmera Escura