Dependência química, uma doença revestida de preconceito, ignorância ou descaso

Tempo de leitura: 4 minutos

Segundo Renata Vilhena Silva, advogada especialista em direito à saúde, bacharel em Direito pela PUC-Campinas, especialista em Direito Processual Civil pelo COGEAE (PUC/SP) e pelo CEU – Centro de Extensão Universitária, as operadoras de saúde não estão preparadas para acolher os casos de dependência química, o alcoolismo ou transtornos mentais, como o autismo, a ansiedade, depressão, esquizofrenia, bipolaridade e compulsões – e muitas vezes se recusam a tratá-los.

De acordo com texto de Renata publicado no jornal Estadão, tais transtornos ainda são revestidos de preconceito, ignorância ou descaso e, por isso, não são entendidas como doenças que necessitam de cuidados especiais ininterruptos, com tratamento multidisciplinar.

Renata, que é autora das publicações Planos de Saúde: Questões atuais no Tribunal de Justiça de São Paulo, volumes I e II, lembra que a recusa de tratamento integral desobedece à lei e a não inclusão no rol de doenças crônicas deixa indivíduos e famílias desassistidas.

“A Política Pública de Saúde Mental no Brasil é recente e prevê redes de cuidados, mesmo quando os gestores admitem que faltam leitos hospitalares e tratamentos adequados”, escreveu ela.

Com relação à maioria das operadoras de saúde, “que são pagas para dar respaldo à saúde dos clientes”, Renata alerta que só acatam terapêuticas ou internação se o beneficiário tiver um pedido médico, “com a descrição do CID (Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde) e, ainda, se a cobertura (ambulatorial, hospitalar, por exemplo) da doença, descrita em contrato, for pertinente ao paciente. Algumas interrompem a assistência depois de 30 dias de internação, exigindo que o usuário arque com o sistema de coparticipação de 50%, embora o direito ao tratamento integral esteja garantido pela Constituição, na Lei 9.656/1998”.

A advogada ressalta em seu texto que a “Justiça brasileira entende que as doenças psíquicas merecem o mesmo tratamento que as demais. As Súmulas 92, do Tribunal de Justiça de São Paulo, e 302, do Superior Tribunal de Justiça, consideram abusiva a cláusula contratual de plano de saúde que limita o tempo de internação do segurado ou usuário. Além disso, quem deve decidir sobre o tempo de tratamento do paciente é o médico, autoridade competente, e não os planos de saúde”.

No primeiro trimestre de 2018, o Vilhena Silva Advogados, do qual Renata é sócia-fundadora, registrou um aumento de 60% de atendimento a casos que envolvem transtornos mentais, em relação ao ano passado, obtendo 95% de sucesso nos recursos judiciais.

“A Organização Mundial da Saúde (OMS) e a Organização Panamericana de Saúde lançaram uma campanha de alerta para a depressão em 2017, reconhecendo que o distúrbio não é um sinal de fraqueza e afeta 322 milhões de pessoas em todo o mundo, que registrou um aumento de 18% dos casos de 2005 a 2015. Nas Américas, afeta 5% da população e pode atingir qualquer indivíduo. O Brasil é recordista mundial em prevalência de transtornos de ansiedade e também ocupa o primeiro lugar no ranking da América Latina e o segundo das Américas. Altamente incapacitante, a depressão aumenta o risco de outras doenças, como as cardíacas, e é fator de risco importante para o uso de drogas e o suicídio, que também cresce no mundo. Só em 2016, 800 mil pessoas se mataram”, escreveu Renata em seu artigo.

Para ela, negligenciar a questão ou não pensar em saídas efetivas para combater essas doenças “acarreta também problemas econômicos”. E se baseia em nos estudos da OMS realizados em 36 países de baixa e média renda que apontam ser bem mais dispendioso não tratar a doença – a projeção, ainda de acordo com a OMS é que se perca cerca de um trilhão de dólares ao ano, até 2030, caso o acesso a cuidados não se efetive. “Cada dólar investido na ampliação do tratamento da depressão e ansiedade resulta em um retorno de US$ 4 na melhoria das condições de saúde e capacidade de trabalho”, conclui a advogada para quem “num mundo tão complexo quanto o que vivemos, que gera e fomenta a ansiedade e a depressão, não enxergar as causas e consequências dessas doenças é, no mínimo, negligente. E, não oferecer condições para que as famílias – já que na maioria das vezes o indivíduo não reconhece que está doente e não tem autonomia para tomar decisões – possam tratar de seus membros doentes, é desumano, abusivo e ilegal”.

 

Fonte: Estadão/Política