Tempo de leitura: 3 minutos
Tenho, entre meus colegas professores, pessoas que, em sua adolescência, sentem ter sido bem e mal tratados. Tanto faz se de fato foram, o que importa aqui é como se sentiram, e como lidaram com esse sentimento ao longo das suas vidas. Uns referem ter tido mais acolhimento para os processos intensos de suas buscas internas; encontraram refúgios, pessoas que os compreenderam em profundidade; sentiram-se vistos e ouvidos. Outros têm a impressão de terem galgado paredes sozinhos; perderam-se no meio do caminho, as ajudas foram poucas, o mundo um pouco que os traiu, dizem. Ainda hoje, percebo, têm dificuldade em confiar no que o mundo lhes oferece, o que significa terem dificuldade de confiar também nas suas reais possibilidades – ora as exageram, ora as diminuem. O que vejo marcar a diferença entre uns e outros no convívio com os adolescentes de hoje está ligado ao quanto refletiram sobre os seus processos, com ajuda ou sem ela, e ao quanto conseguem ter uma relação empática com o outro. Isto é, o quanto conseguem ouvir, de fato, o clamor de uma alma imersa num desespero desconhecido. O quanto conseguem viver o estado de emoção dos outros em si mesmos.
As nossas experiências pessoais podem ser um terreno fértil de encontros, mas a sua falta (quem sabe você é um educador que teve uma adolescência sem sobressaltos) não nos impede de nada. Eu posso compreender uma dor sem tê-la sentido. Posso oferecer meu ombro, e meu ouvido, e meu apoio, diante de uma situação que não vivi, mas compreendo, ouço-a vibrar dentro de mim. Há uma comoção dentro de mim, e é essa comoção que cria uma relação com o outro. Se eu não tive esse acolhimento, se não me senti ouvido, tocado, amado – preciso, com urgência (especialmente se a minha profissão me liga a outros seres humanos), abrir o meu coração à dor que é do outro e é tão grande ou poderosa ou profunda quanto a minha. Fazer pelo outro, definindo a lealdade como campo de ação, cura as nossas feridas.
Adolescentes precisam, muito, de modelos em quem possam confiar, em quem possam projetar-se a si mesmos em segurança. Isso demanda que a tarefa de educador seja entendida e tomada como uma tarefa de vida. Com dias de 24 horas e anos de 365 dias, e mesmo que já estejam todos os seus alunos pós-graduados. Educador não tem férias, e sua tarefa não termina. A sua vida transcorre num uníssono – um doloroso e às vezes desafinado uníssono, às vezes sem quase ouvir-se, às vezes aos gritos, às vezes confuso, às vezes perdido. Mas em uníssono em si mesmo, nessa busca interna de conseguir trazer o outro para dentro porque é dentro que ele poderá ser entendido e ajudado. Se o que queremos é educar seres humanos capazes de serem inteiros, isso significa lidar com as nossas ambiguidades, incertezas, incongruências, e entender o sofrimento e a dor como mestres na direção de nós mesmos.
Terá sorte o adolescente que tiver perto dele alguém que conviva de forma positiva com seus fantasmas. Significa não sofrer? Não. Significa sofrer com a consciência e a abertura de alguém que sofre, e diz ao outro que sofre, aprendendo a se mostrar inteiro e verdadeiro, a ser leal com o sentimento alheio, e assim constrói uma ponte de humanidade. Por essa ponte poderá também circular a dor do outro, lealdade e empatia de mãos dadas, e no encontro de ambos frutificarem alegria, fraternidade e crescimento.
ANA VIEIRA PEREIRA é mestre e doutora em Literatura Comparada pela USP. Atualmente dedica-se ao ensino e à pesquisa da escrita dentro do âmbito da criação artística. Coordena o espaço Quinta Palavra, em Botucatu, e é assessora pedagógica da Escola Waldorf Rudolf Steiner, em São Paulo, e da Faculdade de Ciências Agronômicas da Unesp, em Botucatu. É autora de, entre outros, Do ventre ao berço: o parto em casa, Mistache Malabona e O dono do castelo.