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Em 2016 mostramos nesta matéria que a maioria dos micro-ônibus comprados para o programa “Crack, é possível vencer” está encostada. Dos 197 veículos adquiridos na gestão Dilma Rousseff, pelo Ministério da Justiça, 127 nunca foram usados por “problemas de funcionamento”.
De la pra cá, o que mudou?
O programa “Crack, é possível vencer” foi lançado em dezembro de 2011 pela então presidente Dilma Rousseff para combater o consumo de drogas em cidades com mais de 200 mil habitantes. Dilma sofreu processo de impeachment, deixou o cargo e o programa continua empacado.
Segundo levantamento feito pelo jornal O Globo, os ônibus que deveriam ser utilizados para monitorar o tráfico por meio de câmeras e ajudar serviços de inteligência policial estão parados há anos em garagens de prefeituras ou começaram a ser empregados em outras ações, como o patrulhamento ostensivo para evitar assaltos. O Ministério da Justiça calcula que um a cada quatro veículos comprados não está em condições de uso conforme o planejado.
As prefeituras, responsáveis por colocar os ônibus em funcionamento, argumentam que o pacote do governo federal não veio completo e reclamam da falta de câmeras, programas de computador para gravar as imagens, treinamento de profissionais para usar os novos equipamentos e até de ausência de documentação de trânsito.
Dos três eixos desenhados para o programa, a compra dos ônibus para monitoramento eletrônico estava orçado em R$ 1,9 milhão, cada veículo do programa deveria vir equipado com até sete câmeras — uma delas posicionada em um mastro de dez metros de altura —, além de gerador, impressora, frigobar e HD. As aquisições custaram R$ 279 milhões à União até 2015.
Os outros dois pontos principais previstas pelo “Crack, é possível vencer”– a prevenção ao consumo de drogas, por meio de cursos em escolas, e o oferecimento de tratamento aos usuários de crack, com o aumento da oferta de leitos e vagas em clínicas de recuperação, por exemplo – estava orçado inicialmente em R$ 4 bilhões até 2014. A gestão da petista reservou R$ 3,5 bilhões para a política pública e gastou, de fato, R$ 1,7 bilhão, segundo levantamento feito ano passado pela Confederação Nacional dos Municípios (CNM).
O levantamento do jornal O Globo constatou que existem problemas com os ônibus em 12 cidades do país. Um dos veículos, por exemplo, está estacionado desde julho de 2014 na garagem da Guarda Civil Municipal de Campo Grande, no Mato Grosso do Sul. A prefeitura alega que não recebeu as câmeras,os programas de computador nem o termo de doação. Então, não emplacou o automóvel. Em 2016 o micro-ônibus foi arrombado e um monitor de 42 polegadas foi furtado. Situação semelhante ocorreu em São Gonçalo, Região Metropolitana do Rio de Janeiro, onde três micro-ônibus ficaram pelo menos um ano sem sair da garagem da prefeitura porque não tinham sido emplacados. O jornal procurou o governo municipal, que não informou se o problema foi resolvido.
Outras cidades optaram por destinar os automóveis do governo federal para outras atividades. Um ônibus com o nome do programa “Crack, é possível vencer” pode ser visto em uma região conhecida por roubos de carro em Heliópolis, em São Paulo, onde não há registros de formação de cracolândias. O mastro da parte traseira do veículo, que deveria ter uma câmera, está vazio. No centro da cidade, próximo à maior concentração de viciados em crack da capital paulista, na Luz, o ônibus faz as vezes de uma base avançada da Polícia Militar. Segundo policiais, o veículo ajuda na segurança pública e, indiretamente, no combate ao tráfico de drogas. A corporação não respondeu às perguntas da reportagem do jornal sobre o uso dos veículos em funções diferentes daquelas estabelecidas no plano federal de combate a drogas.
Em Mogi das Cruzes, na Região Metropolitana de São Paulo, também faltaram câmeras no pacote anticrack. Após ficar um mês e meio parado, o micro-ônibus do governo federal está sendo utilizado “de forma limitada”, segundo a prefeitura. As prefeituras de Londrina e Cascavel, no Paraná, também reclamaram da ausência de câmeras nos veículos que receberam do Ministério da Justiça entre 2013 e 2014.
Onde as câmeras chegaram, falta o programa de computador para gravar e processar as imagens. A prefeitura de Petrópolis, na Região Serrana do Rio, afirma que recorreu a uma doação para adquirir um software de R$ 1,4 mil em janeiro deste ano e colocar em operação um automóvel que ficou sem uso por três anos e meio.
Ribeirão Preto, no interior de São Paulo, está usando os ônibus para o policiamento de eventos de grande porte. Como se isso não bastasse, a cidade também não pode utilizar armas de choque porque o governo federal não deu curso aos guardas municipais da cidade. Barueri é outra cidade que deu finalidade diferente para o veículo: fazer policiamento de uma partida do Campeonato Paulista de futebol.
No Rio Grande do Sul, a Secretaria estadual de Justiça e Direitos Humanos afirma que o programa “não está mais em vigor”, e que não chegou a ser “totalmente implementado” em Porto Alegre. Segundo a nota, os atuais gestores estão dando seguimento ao programa, “na medida do possível”.
O Ministério da Justiça informou que considera “satisfatório” o status de execução do “Crack, é possível vencer”, mas diz que algumas tecnologias precisam ser “atualizadas ou substituídas”. Segundo o governo, de 197 ônibus entregues, 54 apresentaram problemas, que “estão em fase de resolução”. Ainda dentro do eixo de Segurança pública do programa, foram entregues aos municípios carros, motos, armas de choque e unidades de spray de gás lacrimogênio.
Fonte: O Globo