O hábito é uma droga

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Na Idade Média, o médico suíço Teofrasto Paracelso vaticinou: “Todos os comportamentos podem se converter em droga”.

De lá para cá, a questão passou a ser descobrir qual a fronteira entre a atitude normal e a impulsiva.

É por isso que existem veículos de informação como o “Para entender…” e especialistas no assunto, como o psicólogo alemão Werner Gross, que acredita serem quatro as marcas que separam enfermos e normais: o doente sempre perde o controle quando se entrega a uma atividade; quando não a realiza, sofre síndrome de abstinência; sua dependência cresce com o passar do tempo; e, finalmente, perde o interesse por tudo, menos pelo vício.

Quando as características citadas acima estão presentes, estamos diante de um adicto.

A maioria dos especialistas é enfática: coisas simples e corriqueiras como trabalho, sexo e comida são capazes de escravizar uma pessoa. Em certos casos, chegam a se tornar um vício tão irresistível e destrutivo quanto drogas ou bebidas, com direito inclusive à síndrome de abstinência.

A comilança, por exemplo, é o tipo de dependência que passa despercebida. Para os médicos, tal compulsão pode ser associada a 70% dos casos de obesidade, e a comida está para os bulímicos como a droga para os toxicômanos.

Além do excesso em comida, como já vimos nesta matéria, desde 1987 o desvio comportamental dos sexólatras é reconhecido pela Associação Americana de Psiquiatria como enfermidade e não perversão.

Mais: recentemente, o psicólogo italiano Daniele Pauletto divulgou uma tese revolucionária relacionada a um vício que aterroriza pais e mães em todo o mundo: a videomania. Ele garante que videogames, apesar da aparência inocente, podem ter efeitos nefastos, como a síndrome batizada de vídeo-hiperestesia — ou seja, extrema sensibilidade aos estímulos do vídeo —, que leva frequentemente os fanáticos por ganes a perder o contato com a realidade e entrar numa espécie de estado hipnótico. Um estudo da Universidade Harvard (EUA) chegou à conclusão de que os videogames, além do incentivo à violência, limitam a imaginação.

Mas, como sempre pontuamos, o perigo está no excesso.

Amenizar a dureza da vida nas compras não chega a ser anormal, desde que não vire um hábito irrefreável, como já mostramos aqui. Para os psicólogos, consumidores incontroláveis só diferem dos cleptomaníacos pelo fato de que estes não passam pelo caixa da loja, simplesmente furtam os objetos. São todos enfermos. Como também muitos dos trabalhadores workaholics — neologismo inglês que une as palavras work (trabalho) e alcoholic (alcoólatra). Eles odeiam férias, levam serviço para casa e se esquecem da família.

Não existe um consenso quando se trata de explicar por que as pessoas se apegam a uma atividade a ponto de se tornarem viciadas. Enquanto os psicanalistas procuram a causa na infância, os psicólogos falam em falta de autocontrole. Mas todos concordam que são as atividades prazerosas que ensejam a dependência e, por isso, os bioquímicos acreditam que a culpa é da endorfina, um hormônio segregado no tecido cerebral capaz de gerar efeitos euforizantes parecidos com os das drogas.

Outra unanimidade é que os que sofrem com tais enfermidades só procuram ajuda médica quando já é tarde e quase sempre são os familiares que tomam a iniciativa de buscar tratamento. Mas mesmo eles demoram a descobrir, já que toda espécie de adicto é um bom dissimulador (aproveite e confira as seis mentiras que os adictos contam).

O fato é que, embora suas drogas não sejam tóxicas, as pessoas que comem demais, fazem muito sexo, jogam demais, trabalham sem parar, roubam sem motivo ou compram compulsivamente, sofrem de síndromes de abstinência parecidas com as dos toxicômanos: depressão, angústia ou mesmo dores físicas. Terapia ou tratamentos farmacológicos são algumas das alternativas de ajuda para quem sofre destas distorções comportamentais.

Se os objetivos terapêuticos variam – para alguns, como os cleptomaníacos, se busca a abstinência total, para outros apenas um autocontrole maior –, o passo fundamental, porém, será sempre o desejo da própria vítima de se curar.

 

Fonte: Superinteressante